sábado, maio 18, 2024

caracteres móveis VII - OS POBRES

I. O enxurro. «Vem o Inverno e os montes pedregosos, as árvores despidas, a natureza inteira envolve-se numa grande nuvem húmida que tudo abafa e penetra.» Raul Brandão, Os Pobres (1906)

caracteres móveis VI - S. CRISTÓVÃO

«Um dia, numa floresta, ao entardecer, quando por sobre as frondes ressoavam as buzinas dos porqueiros, e lentamente na copa alta dos carvalhos se calavam as gralhas, um lenhador, um servo, de surrão de estamenha, que rijamente trabalhara no souto desde o cantar da calhandra, prendeu a machada ao cinto de couro, e, com a sua égua carregada de lenha, recolheu pelos caminhos da aldeia, ao castelo do seu Senhor.» Eça de Queirós, S. Cristóvão (C. 1891/1912)

caracteres móveis V - OS MAIAS

I «A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete.» Eça de Queirós, Os Maias (1888)

sexta-feira, maio 17, 2024

caracteres móveis IV - AS PUPILAS DO SENHOR REITOR

«José das Dornas era um lavrador abastado, sadio e de uma feliz disposição de génio, que tudo levava a rir, mas desse rir natural, sincero e despreocupado, que lhe fazia bem, e não rir dos Demócritos, de todos os tempos -- rir céptico, forçado, desconsolador, que é mil vezes pior do que o chorar.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

caracteres móveis III - AMOR DE PERDIÇÃO

Introdução «Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: / Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante da Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco, estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.» Camilo Castelo Branco, A mor de Perdição (1862)

caracteres móveis II - A FILHA DO ARCEDIAGO

I «Em 1815, um dos mais abastados mercadores de panos da Rua das Flores, na cidade do Porto, era o Sr. António José da Silva.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

caracteres móveis I - EURICO O PRESBÍTERO

I. Os Visigodos «A raça dos Visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

150 portugueses: 51-55

51. Egas Moniz (1874-1955). Médico neurologista genial (angiografia no cérebro) e controverso (lobotomia). Prémio Nobel da Medicina em 1949. Também escritor e político.

52. Fernando Pessoa (1888-1935). Um poeta do outro mundo, um dos maiores de sempre, e não apenas entre os portugueses, o que seria já muitíssimo.

53. Geraldo o Sem-Pavor (+c. 1173). Figura extraordinária de guerreiro e mercenário. Entre homem e lenda, figura no brasão de Évora, cidade que conquistou aos mouros.

54. D. João III (1502-1557). Conhecido na Europa como o "Rei da Pimenta", tudo (ou quase) nele foram becos sem saída. Associado para sempre à vinda da Inquisição 

55. D. Luís da Cunha (1662-1749). Diplomata de primeiro plano, académico e estrangeirado em cujo Testamento Político pensa o atraso do país, em especial dos malefícios para o seu desenvolvimento que acarretou a acção do Tribunal do Santo Ofício e a monomaníaca perseguição aso cristãos-novos.

2 versos de Florbela Espanca

 «Um idílio passou à minha rua / Ontem a horas mortas e caladas,» Antologia Poética (2002)

quinta-feira, maio 16, 2024

tresanda a CIA em Tiblissi -- ou o descaramento e o despudor, nas nossas barbas

O modo de trabalhar dos americanos tem barbas, em todas as latitudes.  E  eles nem sequer disfarçam, bem como a UE -- que, recorde-se, censurou os canais russos por cabo (os nossos valores, e tal...) --, pela boca do atraso de vida para as relações externas. 

Não estou por dentro da política georgiana; mas não me custa nada aceitar que os órgãos de imprensa com mais de 20% de capital estrangeiro sejam obrigados  a declará-lo. Pelo menos é transparente. Por cá, há vários jornais cuja propriedade se desconhece, alguns dos quais de estrangeiros jornais esses que não conseguem ser vendidos -- nem à família daqueles que o fazem, nem como oferta são aceites, sequer. 

Mas seja como for, trata-se de um governo democraticamente eleito, com maioria, e no exercício de soberania própria, pelo que é inaceitável a interferência externa; mas mais inaceitável é nós estarmos sujeitos a esta cáfila de políticos europeus impreparados, cobardes, e acredito que alguns deles vendidos, pagos em espécie ou, principalmente, em género.  

2 versos de Manuel Bandeira

 «No fundo do céu / Há tanto suspiro!» Berimbau e Outros Poemas (antologia, 1986)

quarta-feira, maio 15, 2024

Bob Marley, «Redemption Song»

3 versos de Fernando Jorge Fabião

«Guardo na pele a luz da tinta / é aí que as palavras ardem / à passagem do sangue» Nascente da Sede (2000)

quadrinhos

fonte

 

terça-feira, maio 14, 2024

ucraniana CCXLII - traição à pátria é isto, ó palermas: fazer de Portugal um dos cães amestrados dos americanos (e dos ingleses)

Um acordo delineado em segredo, nas costas do povo, pelo miserando governo de António Costa, a que o actual se prepara para dar seguimento, também em secretismo.,

"Acordo bilateral de segurança"... Se bem nos conheço, em caso de necessidade, servirá para mandar voluntários regiamente pagos para combater no que restar da Ucrânia, quando os americanos, que atearam isto tudo, se puserem ao fresco e nos (europeus) deixarem com o menino nos braços.

Traição à pátria é esta vergonha de sermos apenas marionetas dos americanos, curiosamente sempre com o PS na linha da frente: fomos obrigados a reconhecer a fraude do Kosovo no governo Sócrates; participámos na triste "Farsa Guaidó" já com Costa (a minha simpatia pelo palhaço Maduro é abaixo de zero). Aliás, este quase protectorado às ordens já vem de trás: veio-me à memória quando o Marcelo Caetano teve de engolir a ameaça americana relativamente aos Açores, quando da Guerra do Yom Kippur, conforme José Freire Antunes revelou década e meia mais tarde

Que falta de brio, falta de tudo...


3 versos de António Jacinto

«O café vai ser torrado, / pisado, torturado, / vai ficar negro, negro da cor do contratado.» Poemas (1961)

segunda-feira, maio 13, 2024

2 versos de Sebastião da Gama

 «Nunca o Amor foi breve, / quando deu fruto.» Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

domingo, maio 12, 2024

os debates para as Europeias - 3 tópicos a que estarei atento

1. o que dirão as candidaturas sobre a Guerra da Ucrânia, entre os Estados Unidos e a Rússia, já perdida, mesmo  à custa da destruição do país e 600 mil mortos, e que tipo de crítica ou autocrítica farão. Vai ser simultaneamente giro e confrangedor de se ver. 

2. a posição de cada concorrente sobre o fim da tomada de decisão por unanimidade no Conselho Europeu -- o que significa perda de soberania, pelo menos sem reforma institucional. nomeadamente a criação de uma segunda câmara.

3. E embora extravase a UE, sempre quero ver, para além da conversa fiada do costume, o que propõe a respeito da CPLP e do nosso papel nela.

Varoufakis sobre a guerra Israel-Palestina, ou: há as pessoas de boa-vontade que se reconhecem nos seus argumentos; e há o comentariado do putedo e dos académicos carreiristas (um pleonasmo, portanto)

4 versos de Alexandre O'Neill

«falamos de ti como se fosses / a árvore mais luminosa / ou a mulher mais bela mais humana / que passasse por nós com os olhos da vertigem» Tempo de Fantasmas (1951)

Bob Seger, «River Deep, Mountain High»

sábado, maio 11, 2024

2 versos de Mário de Sá-Carneiro

«Como eu desejo a que vai ali na rua, / Tão ágil, tão agreste, tão de amor...» Dispersão (1914)

John Coltrane, «Naima»

sexta-feira, maio 10, 2024

ucraniana CCXLI - "estranheza" e "apreensão"

 Estou farto de escrever aqui que o nosso enfeudamento à estratégia dos Estados Unidos na sua guerra contra a Rússia tem, entre outros inconvenientes graves, um afastamento de Portugal dos seus parceiros da CPLP. Não sei se, como diz Tiago André Lopes, isto revela "a ineficácia da diplomacia portuguesa". Creio, antes de tudo, que revela o vazio político e estratégico dos governos portugueses, em especial o de António Costa, que o actual se prepara alegremente para seguir, que é o de sermos, não aliados, mas cães amestrados dos interesses americanos, numa total dupla submissão (também á Comissão Europeia), e fazendo par com desqualificados como o ceo Macron e o atrasado mental do Cameron, em vez de, por exemplo, nos termos concertado (tínhamos todas as condições para isso) com Lula da Silva. 

Portugal, Brasil, mas também Angola, Moçambique, países referência como Cabo Verde ou Timor-Leste, de novo encabeçado por Ramos Horta, Nobel da Paz -- o que não poderia ter sido feito ou tentado; que respeitabilidade não teria sido a nossa. Não creio que seja a ineficácia da diplomacia, mas a mediocridade gritante de António Costa ("derrotar a Rússia...) e de Marcelo, com a  atribuição ao Zelensky da Ordem da Liberdade, logo transformado em penduricalho da liberdade, recebido este como se de um brinde saído na farinha Maizena... 

Isto também significa que a História não é só passado -- é presente e futuro. Claro que com inépcia, nem passado nem futuro, só este presente penoso e ridículo, que transforma a Esfera Armilar em ovo estrelado -- a dimensão destas criaturas, uma das quais almeja ser presidente do Conselho Europeu, aplaudido por todos os basbaques aqui da Parvónia, como se tivesse especial qualidades que não seja o manobrismo de enguia.

 

1 verso de Antero Abreu

«Ai como é estreito como é longo o sonho» Poesia Intermitente (1987)

Tango: entre Bernard Prince e XIII

A aventura, o mistério, o exótico, o erótico, a violência – tudo isto faz parte da BD, tal como da vida, por certo em doses desproporcionais, Está muito bem a autoficção, o didáctico, o social e politicamente empenhado, nada se exclui – até porque o primeiro grande autoficcionista dos quadradinhos, Will Einer, foi também ele autor de criaturas sensacionais, como The Spirit; mas a vida confortável e modestamente burguesa que até agora temos tido nas sociedades ocidentais não é compatível com altas cavalarias. Ser voluntário em teatro de guerra ou missionário numa favela de Manaus não é para todos; e a não ser que a guerra nos bata à porta, como parece ser do interesse de alguns, todos precisamos de escapismo, de viagens interiores, para fugir ao tantas vezes estúpido quotidiano.

Tango foi publicado pela primeira vez em 2017 pelas Éditions du Lombard, de Bruxelas, com argumento de Matz (Rouen, 1967) – de quem já falámos a propósito de LeTueur / O Assassino – e Philippe Xavier (Bordéus, 1969), que assina também os desenhos, autor com uma paleta diversificada na BD de género, da Idade Média e do Fantástico à contemporaneidade, incluindo o magnífico XIII, criação de Van Hamme e William Vance. Há em Tango muito deste lastro franco-belga, entre Bernard Prince (de Hermann e Greg) e aquela magnífica personagem em busca de si própria.

Nova série e novo herói em edição portuguesa, a capa de um primeiro álbum é um cartão de visita importante, tanto mais que já não estamos no tempo em que as histórias se estreavam primeiro nas revistas, só depois, saíam em livro, já com nome feito. E o que vê é promissor: um solo desértico gretado, dum branco sujo ou anilado que reflecte a chapada de azul do omnipresente e opressivo céu do deserto. Em primeiro plano, o herói, Tango, de pistola na mão esquerda, encostado a um velho chaço que parece ter claudicado; e no tejadilho, um pré-adolescente pensativo.

Perto de um lugarejo perdido da cordilheira dos Andes, um gringo ainda relativamente jovem vive há uns anos sozinho, socializando, no entanto, com os autóctones, ajudando, pagando rodadas, contando anedotas. Por actividade conhecida, a recolecção de vestígios arqueológicos ameríndios, nada de particularmente estranho para os indígenas. O convívio estende-se também a Agustina, dona do bar local e gostosíssima viúva que torna menos melancólicos os dias de Tango. Este, por vezes, tem nas prospecções a companhia de um rapaz, filho de um vizinho, também ele vivendo isolado nas imediações da vilória.

Nada é o que parece, todos têm algo a esconder: o protagonista, o vizinho, e mesmo Agustina. Tudo se complica quando Tango vê carros desconhecidos parados junto da casa do jovem companheiro de pesquisas; e ainda se emaranha mais quando uma mulher, acompanhada de sicários, começa a fazer perguntas sobre o gringo no estabelecimento de Agustina. Uma série a acompanhar. (Maio de 2022)


Tango – 1. Um Oceano de Pedra

Texto: Matz e Philippe Xavier.

Desenhos: Philippe Xavier.

Edição: Gradiva, Lisboa, 2021.







quinta-feira, maio 09, 2024

Billie Holiday, «I Cried for You»

1 verso de Helder Macedo

 «a noite a luz a sombra a madrugada» Viagem de Inverno (1994)

quadrinhos

fonte

 

quarta-feira, maio 08, 2024

sofismas 'woke'

Sou leitor assíduo de Paula Cardoso, apesar de muitas vezes, ou quase sempre, discordar dela. Com isto, já estou a fazer um elogio à sua escrita e à sua profundidade, uma vez que me prezo de ser leitor exigente, sendo poucos os cronistas que não dispenso, concorde ou não com eles, como, para me ater ao DN, Viriato Soromenho Marques e Luís Filipe Castro Mendes, ou, no resto, a brilhantíssima Carmen Garcia, ou Henrique Raposo, José António Saraiva, Miguel Sousa Tavares, pelas mesmas ou outras razões. Como se vê, sou ecléctico. Cresci, como leitor, a ler os melhores: Augusto Abelaira, Eugénio Lisboa, Henrique Barrilaro Ruas, Vasco Pulido Valente ou Vítor Cunha Rego -- nunca perdendo de vista que a crónica é um nobre género jornalístico mas também literário, e que o seu inultrapassado cultor foi (e é) Eça de Queirós.

Leio-a sempre que me aparece, e raramemte concordo, pois parte do pressuposto, para mim errado, de que em Portugal os negros são objecto de racismo por serem negros -- provavelmente sistémico, importação de uma americanice que não se aplica a Portugal, mas aos estados americanos, como Brasil e Estados Unidos, cuja economia se alicerçou em mão-de-obra escrava. Em Portugal há racismo, sim, mas os seu alvo é a comunidade cigana; há xenofobia (aversão, geralmente causada por medo do desconhecido), que talvez possamos considerar uma espécie de racismo, mas as suas vítimas tanto são brasileiros e cabo-verdianos como moldavos ou ucranianos, não tem que ver com a cor da pele. E há, de facto, um racismo classista, que atinge os pobres, que são de todas as cores, mas com especial incidência nos imigrantes, obviamente os mais pobres e desprotegidos. Vivo num bairro de classe média, entre a média-baixa e a média-alta. A realidade que observo desmente-o quotidianamente; mas não quero desvalorizar episódios pontuais de racismo, nem o sofrimento que eles causaram a quantos o sofreram. O meu ponto, empírico, é a de que o racismo em Portugal tem aqueles contornos, e não os que nos vêm sendo impingidos por via anglo-saxónica.

Mas não é essa a questão que motiva este post, antes o característico argumentário woke, ou seja, de distorção da realidade e ocultação de aspectos menos palatáveis do pobre wokismo. A dada passo, a cronista escreve que este passou 

«a ser entendido como expressão de um movimento extremista, que prega a sua superioridade moral através de ideias progressistas que pretende impor aos outros. / É também por causa desta ficção narrativa que o racismo e o argumentário anti-imigração se propagam. Defender Direitos Humanos tornou-se “woke”. Lembrar que as vidas negras importam tornou-se “woke”. Recordar que todas as estatísticas desligam o fenómeno da criminalidade da imigração tornou-se “woke”. Combater ataques contra imigrantes tornou-se “woke”. Denunciar o racismo tornou-se “woke”.»

Vejamos. Só o tema do alegado progressismo das ideias -- frequentemente associadas a uma prática pública de censura e cancelamento -- daria um ensaio substancial. 

Vamos antes aos sofismas e até às mentirolas. 

Com que então, defender os direitos humanos tornou-se woke? -- resta saber se todos temos o mesmo entendimento do que sejam direitos humanos, ou melhor, de que forma eles se salvaguardam e aplicam -- e não temos. Há tempos, uma antiga deputada do BE dizia que a questão ponderosa das casas de banho para transnão-sei-o-quê era uma questão de direitos humanos, um problema que afecta 0,000001 dos jovens e que qualquer escola digna desse nome resolve com a maior das facilidades, como a resolveu a escola que os meus filhos frequentaram -- com bom senso, algo que a senhora BEwoke não tinha, até porque o que ela no fundo queria era criar um caso, fazer activismo.

Defender que as vidas negras importam, também se tornou woke? Extraordinário...

Recordar que todas as estatísticas desligam o fenómeno da criminalidade da imigração também? ? Eu devo viver noutro planeta.

Combater ataques contra imigrantes tornou-se “woke” ainda -- delirío, ou intenção de associar o pensamento crítico à extrema-direita? este tipo de associações espúrias parecem ter sempre bom acolhimento. Por exemplo, o governo do Netaniahu fá-lo, e até com sucesso junto dos mais sensíveis e medrosos, quando sustenta que criticar o governo de israelita é uma manifestação de antissemitismo.

Finalmente, de acordo com Paula Cardoso, "denunciar o racismo tornou-se woke". O despropósito (ou vitimização?) anula-se a si próprio.

Os wokes são useiros e vezeiros no distorcer da realidade, de modo a servir o seu "activismo". São inclusivamente manipuladores e censores. O que é woke, é, por exemplo, retirar das bibliotecas as bandas-desenhadas do Astérix e do Lucky Luke, já nem me lembro porquê; censurar os livros da Enid Blyton; querer reescrever os textos de Mark Twain ou Monteiro Lobato, retirar obras de arte de museus e galerias -- isto não é progressismo, é censura e reaccionarismo à soltaO que é woke é ser-se anacrónico em História, com opiniões semianalfabetas sobre os Descobrimentos (historiador-woke é um oxímoro). O que é woke é a criação de palavras e expressões estúpidas como presidenta ou dizer portuguesas e portugueses. -- e um longo etecetera. 

Tudo pode e deve ser debatido, mas de boa-fé.

150 portugueses: 46-50

46. Salvador Correia de Sá (1602-1688). Notável cabo-de-guerra, mas também governador e explorador, é uma figura fulcral do Século XVII nas histórias de Portugal (Guerra da Restauração), Brasil e Angola, em especial no combate aos holandeses. Se houve alguém que delineou o triângulo do mar -- Lisboa - Rio de Janeiro - Luanda --, foi ele.

47. Vitorino Nemésio (1901-1978). Extraordinário poeta, um dos grandes do século, ensaísta, investigador, professor e comunicador, é autor do que será porventura o maior romance português de sempre, Mau Tempo no Canal (1944). 

48. D. Afonso IV (1291-1357). Figura shakespeareana, foi rei guerreiro num período complicadíssimo da política ibérica, cujo vórtice tragou Inês de Castro.

49. Carlos de Seixas (1704-1742). Um compositor apolíneo, moderno e portuguesíssimo ao mesmo tempo, cuja música nos define. O seu Concerto para cravo será a nossa obra-prima do Barroco.

50. D. Duarte (1391-1438). Príncipe guerreiro e rei filósofo, figura apaixonante de homem e monarca.

2 versos de Fernando Namora

«O pecado é humano portanto sejamos pecadores e / a pecar nos santifiquemos» Marketing (1969)

caracteres móveis

«Como o carreiro avançasse, agora, por trecho plano, de urgueira, tojo e carqueja, esporeou a besta e pô-la a trotar.» Ferreira de Castro, Terra Fria (1934)

«Mal se achou fora, entre os trigos altos e pujantes, túmidos de seiva, feriu-o logo uma impressão profunda de grandeza.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Podia tornar a casar-se, que a cobiçavam muitos por mulher limpa de costumes e provada no governo da casa, e retraiu-se.» Aquilino Ribeiro, Volfrâmio (1944)

terça-feira, maio 07, 2024

Duke Ellington, «Body and Soul»

ucraniana CCXL - estão aflitos com a Rússia, e vão pedir ajuda à China -- quão patético pode ser-se?

Os próceres da UE -- Ursula e cãezinhos, mais o inacreditável Macron, entre outros anões --, conduzem-nos, ineptos e mentecaptos, num caminho que se estreita cada vez mais, enquanto Rússia e Estados Unidos não decidirem parar ou avançar com a guerra na Ucrãnia. Aflitos à frente do mundo inteiro, pedem à China que convença a Rússia a isto e mais aquilo. Com a Europa à rasca com o imbróglio para que se deixou arrastar, com os Estados Unidos em indefinição, excepto no que respeita à Formosa, território chinês, ainda por cima, com o qual ameaçam mais ou menos veladamente a China, está-se mesmo a ver que XI Jinping irá fazer o jeito a estes dois patéticos patetas.

Lembro-me de quando o mote dos comentadores de meia-tigela era minimizar a Rússia, com risinhos sobranceiros -- fazia parte da propaganda burra americana, como se a menorização da Rússia junto da carneirada no Ocidente garantisse, só por si, qualquer espécie de vantagem. Cheguei a ouvir uns asnos qualificarem a Rússia como um satélite da China. Chama-se a isto bronquite académica.

Essa abordagem parece já ter passado, e agora temos o "perigo russo" (um perigo criado pelo Pentágono, a caminho de mais uma derrota estratégica no seu já longo cadastro). Estão aflitos, agora, sem que percebam que, por muito importante que a China seja para a Rússia neste contexto (e é-o), nunca aquela terá capacidade para desviar a grande nação eslava do seu foco estratégico: defender-se da ameaça americana, que não só é real, como na sua percepção se agiganta, fazendo aparecer toda a sorte de fantasmas. 

Como qualquer historiador dirá, a história da Rússia é feita de conquistas e perdas. Está-lhe inscrito na pele, também por ser demasiado grande para que pudesse ser diferente. China ou Estados Unidos serão sempre mais um. 

5 versos de Fernando Jorge Fabião

«escreve / nos veios da terra / no cereal profundo / nos rostos apagados / pela melancolia do mundo» Nascente da Sede (2000)

ucraniana CCXXXIX - decidam-se, caraças!

No sábado à noite, se a memória não me atraiçoa, a Prof.ª Diana Soller dizia que o ceo de França, Macron, previa a possibilidade de mandar tropas para o teatro ucraniano, para não ter depois de combater os russos nas fronteiras da Polónia ou dos estados bálticos (todos membros da Nato, recordo); ou, quem sabe, defender as fronteiras da própria França... Há pouco, apanhei o final de uma intervenção da correspondente da sic na Ucrânia, Iryna Shev, segundo a qual, alguém que não descortinei, considerava não terem os russos força suficiente para tomar Kharkiv...

Decidam-se, caraças. O poviléu de tão enganado não só já não sabe o que há-de-pensar, pelo menos até ao dia em que lhe venham dizer que os filhos têm de ir para a frente lutar pelos nossos valores -- normalmente transaccionados em dólares --, assim um pouco como sucedeu com os jovens portugueses que, a partir de 1961, foram defender a pátria para sul do equador, não só com enorme justiça mas também grande proveito. 

segunda-feira, maio 06, 2024

Jürgen Petrenko, Noel Edison, «As Bem-Aventuranças» (Arvo Pärt)

ucraniana CCXXXVIII - com meias-palavras ou directamente, estes querem-nos alinhados numa guerra contra a Rússia. E os interesses de Portugal onde páram?

Três-artigos-três, na mesma edição do Diário de Notícias, a de sábado, que traz a sempre lúcida coluna de Viriato Soromenho Marques -- desta feita sobre marcelices, só muito de raspão aflorando a questão ucraniana, que inconsciente e criminosamente se vai tornando assunto nacional.

Pois bem, o primeiro artigo, do general Valença Pinto, ex-CEMGFA, em «Segurança e Defesa da Europa. Um tema urgente e obrigatório», em que só praticamente o título está certo, começa por falar na "inaceitável invasão" da Ucrânia pela Rússia. Sobre o cerco da Nato ou os mísseís instalados na Polónia (creio), alegadamente para dissuadir o Irão (!), já para não falar da preparação da adesão da Ucrânia à NATO, tudo razões mais do que justificativas para que a Rússia procedesse como o fez, nada diz. (Talvez sejam fantasias; ou propaganda, ver Serronha em baixo). Traça um quadro que me parece correcto no Norte de África e no Sahel -- terrorismo islâmico, tráfico, criminalidades várias --, para sustentar que a influência da Rússia e da China atentam contra os nossos interesses. Ora, parece-me que salvo nos aspectos atrás referidos, os nossos interesses ali não coincidem com os dos franceses (americanos e russos dividem neste momento uma base no Níger...), o que me parece ser um erro grave para um analista militar português; e depois também não seria mal pensado avançar as razões pelas quais os franceses foram chutados vergonhosamente das antigas colónias, A Meloni já explicou porquê. .Mas o general Valença quer fazer-nos crer que, por exemplo, os interesses franceses e portugueses em política externa, especialmente em África, coincidem. Pois só muito parcialmente isso sucede. O general dá ainda de barato a basófia do Trump quanto à Nato. Eu já me enganei muitas vezes, mas ainda não vi lógica nenhuma em que um império global como o americano se desembarace assim dum semi-continente obediente, cujos dirigentes, na sua maioria, não passam de valetes débeis. Claro que haverá sempre a possibilidade terrífica de os Estados Unidos entrarem em guerra civil, mas quem adivinha o futuro? Repetindo-me: sou pelo serviço militar ou serviço cívico obrigatórios, para ambos os sexos, com uma filosofia de base diferente do anterior SMO, mas não de certeza para, por estupidez, fraqueza ou traição, mandarmos os jovens portugueses para a morte em nome dos interesses americanos, ou franceses. A defesa de Portugal compete ao povo português, não a mercenários nem a outros países.

No mesmo número, de Patrícia Akester, especialista em Direito de Autor, publica  «Barómetro Geopolítico: Alta pressão, tempestades à vista, risco de conflito global e um guarda-chuva hegeliano», título arrevesado que não esconde o império da banalidade, do lugar-comum. A citação de Hegel com que nos pipoqueia, aplica-se como uma luva à autora. Nem mereceria comentários, a não ser o carregar na tecla da iminência de uma III Guerra Mundial. Não que ela não seja um perigo real, mas aqui só serve para assustar e encarreirar o rebanho. De resto, como já disse a luminária que está nos Negócios Estrangeiros, "não devemos ter medo dos russos". Repetindo-me outra vez: eu cá dos russos não tenho medo nenhum, tenho é daqueles que alegremente nos andam a empurrar para uma guerra como eles, a começar agora pelo improcriável Macron, que a "Africa Francesa" deitou para o caixote do lixo. (E foi muito bem feito.)

Finalmente, o inevitável Serronha, em «A guerra cognitiva e a guerra das narrativas: a relevância das operações de influência nas guerras», crochetou um texto em que alerta para as enormes capacidades propagandísticas da Rússia e da China, como se não tivéssemos assistido desde a invasão da Ucrânia à maior acção de condicionamento e lavagem cerebral da opinião pública ocidental -- como bem escreveu Miguel Sousa Tavares --, de tal maneira que até finlandeses e suecos se apavoraram com esta quase débil Rússia (em comparação com o poder soviético, em que esses países se mantiveram neutrais, aliás com vantagens para todos), condicionamento que passa pela censura descarada exercida pela UE, que quer proibir o "povo" de ver canais russos por cabo, em inglês, num forte assomo de liberalismo. Serronha propõe ainda mais skills e recursos humanos para a batalha da propaganda (que é real), sob pena de um "desastre estratégico". Desastre estratégico é para onde nos leva as lideranças europeias (que os próprios comentadores prò-Pentágono identificam como fracas), que transformou a UE numa entidade vassala e obediente aos desígnios estratégicos do império americano; desastre estratégico são os governos como o de António Costa e, está visto, o de Montenegro, que nos apequenam, quer na ausência de uma ideia estratégica nacional que não passe por sermos um dos cães dos Estados Unidos, e não uma voz, por acaso secular (estou a repetir-me outra vez), com fortes laços ao Atlântico Sul -- vantagem estratégica que deitamos pela borda fora enquanto nos babamos com a possibilidade do imprestável (exceto na crise da Covid-19) ex-primeiro-ministro possa ser corta-fitas da UE. Os portugueses foram sempre uns basbaques com o "estrangeiro".

Isto tudo num Sábado, que culminou à noite com variedades, animadas por Diana Soller -- não tenho o link --, com disparates vários, um dos quais foi a sua explicação para  a chamada de atenção por parte da Itália para o despropósito e a inconveniência das declarações do improcriável Macron. De acordo com a nossa especialista, elas, as declarações, devem-se a isto: "medo".  São uns valentaços estes comentadores. Mais valera a mui católica Prof.ª Soller, colaboradora do portal dos jesuítas, prestasse atenção e seguisse com cordura as opiniões do maior jesuíta do nosso tempo, que por acaso é o Papa Francisco. Mas nem sempre a Prof.ª Soller se espalha ao comprido. Logo no início da sessão, um patetinha cujo nome não me ocorre arranca com uma das mais asnáticas perguntas que já ouvi sobre esta guerra (ou então já estamos em modo pavloviano), e era ela sobre se a inclusão de Zelensky na lista dos mais procurados pela Rússia não seria um sinal de desespero de Moscovo. Ahahah, caraças... Felizmente para o canal, a senhora respondeu bem.


serviço público

 Manuel João Ramos, «Reparações imBRICadas».

estão à espera doutro Alcindo Monteiro?

Alcindo Monteiro
A escória que atacou, cobardemente, imigrantes no Porto, na sua condição de animais, de cães-de-fila , de marionetas perigosas, são consequência de laxismos vários. O laxismo do Tribunal Constitucional (TC), para começar, que permite a existência de organizações políticas com discurso racista e xenófobo. Não apenas o folclórico (porém, perigoso) Chega, passando pelo neo-fascista Ergue-te, poucos mas maus, e os subgrupelhos adjacentes aos quais se deve dar caça. e quanto mais cedo melhor. Mas para isso, torna-se necessário que o TC exerça a a suas competências e ilegalize essas organizações, pelos programas e/ou pelo discurso, que afrontam o país, para não falar da Constituição. Depois é julgá-los e pô-los na choça. Ou estão à espera doutro  Alcindo Monteiro ? 

Leio que a PJ e as "secretas" estão em campo. Veremos que consequências práticas isso terá. Para já, os crimes de ódio, a violência xenófoba, causam alarme social, independentemente do gás mediático que lhe dêem. Se não matam a serpente no ovo, será depois cada vez mais difícil. Proibir, perseguir, punir exemplarmente. Sem isso, não há democracia possível.


3 versos de Cesário Verde

«Era um municipal sobre um cavalo. A guarda / Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda, / Cresci com raiva contra o militar.» O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

domingo, maio 05, 2024

3 versos de Alberto de Lacerda

«A casa surgiu-me inesperada na floresta. / Que melancolia, no mistério / da sua solidão perfeita.!» 77 Poemas (1955)

sábado, maio 04, 2024

serviço público

 Carlos Matos Gomes, «A sociopatia e a compreensão das reparações coloniais».

4 versos de José Régio

«Ai vida sem alegria, / Sem desespero nem nada!... / A gente deita-se: É noite. / Levanta-se a gente: É dia...» As Encruzilhadas de Deus (1936)

sexta-feira, maio 03, 2024

Bob Marley, «Forever Loving Jah»

curtas

«A melhor das putas, a mais quebradiça e esquinada, conservada de luar e de exercício, ajoelhou-se aos pés dele e abraçou-lhe as pernas, dizendo frases que o senhor pode ler na tela do Pintor, em onomatopeia, que está agora no museu, por decisão camarária, das dez ao meio-dia e das duas às quatro.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) «Eu já sabia que aquele povo subalimentado iludia o estômago com litradas de água e montes de verdura, às vezes ervas selvagens, numa sede provocada pelo sal dos alimentos.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949) «Mesmo emigrados, não esqueciam a Virgem Nossa Senhora: ainda estava para aparecer o primeiro que, meses andados, não Lhe mostrasse a sua gratidão e grau de prosperidade enviando jóias e dinheiro, lá desde os confins da Califórnia, para Lhe serem ofertados, mais jóias, até, que dinheiro porque não havia, na Ilha, onde cambiá-lo.» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1932)

4 versos de Mário de Sá-Carneiro

«Tristes mãos longas e lindas / Que eram feitas p'ra se dar... / Ninguém mas quis apertar... / Tristes mãos longas e lindas...» Dispersão (1914)

quinta-feira, maio 02, 2024

quadrinhos

fonte

 

caracteres móveis

«A Noroeste, o recorte esguio e cinzento de Sintra servia de pano de fundo à extensa planície que até lá se espraiava em mancha ora verde das relvas, ora amarelecida dos pastos no Outono, ora branca das povoações caiadas que a salpicavam e nas quais, aqui e ali, começavam a tremeluzir, ainda medrosas, as primeiras luzes.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«E em arroubos de apaixonado, envolveu-a na carícia dum tal olhar que a mole inerte pareceu vibrar, estremecer em frémitos de amor, transfigurada e viva na luz doirada que a beijava.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

«Vinha certeiro no silêncio e experimentava fortemente as árvores, que durante um segundo descreviam um círculo cheio, como piões no torpor.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

4 versos de Armando Taborda

«Sou poeta / de índole calma / o sol está-me à porta / da alma.»  Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

palavras odiosas

Sibilino. Representa tudo o que eu mais detesto; uma ironia cobarde e efeminada que frequentemente revela despeito e inveja.

quarta-feira, maio 01, 2024

caracteres móveis

«Da sua existência, Juvenal recordava apenas a tarde em que o pai volvera de uma caçada, trazendo, com a pelagem aqui e ali empastada em sangue, alguns pequenos coelhos -- únicas vidas que saltitavam de fraga em fraga, na terra que, de tanto estar sepultada em água, não tinha água que se bebesse.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Mas eu crescera, agora zurzia-me de outro modo, a face dura, coriácea, a palavra seca, reduzida ao essencial da agressividade.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

«No olfacto desabituado de Henrique de Souselas o cheiro resinoso e activo das pinhas e das agulhas secas dos pinheiros, queimadas no lar, produziam sensações muito longe de serem agradáveis.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

3 versos de José Régio

«Em frente, no meu espelho, / Alguém me espreita, / Alguém me atrai, me repele.» As Encruzilhadas de Deus (1936)

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«E imediatamente, a mão à pressa por todo o corpo, pelas nádegas, pelas mamas / -- ...que me magoa / atirados de escantilhão sobre a cama, a minha cólera em pé, enrodilhados, escabujados até à aniquilação.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

«O pai de Teresa não embicaria na impureza do sangue do corregedor , se o ajustarem-se os dois filhos em casamento se compadecesse o ódio de um com o desprezo do outro.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Um pé de vento abalou as faias e os cedros, levantando-lhe a ponta do casaco e uma mecha de cabelo.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)