terça-feira, setembro 02, 2025

serviço público: não se deixem levar por bonitas palavras vazias, para enganar lorpas

Eu, que não sou especialista em Defesa, até concordo, na generalidade, com os pressupostos aduzidos por Ana Miguel dos Santos neste artigo. Não estou eu farto de falar do desperdício do nosso soft power?, das exigências iniludíveis da nossa situação geográfica e geopolítica?, da necessidade de reavaliar o nosso conceito estratégico nacional?...

O problema deste artigo e outros que saíram e sairão é que fazem tábua rasa da situação em concreto -- ou seja, a forma como a Rússia -- superpotência militar e científica, grande potência económica, como se está a ver, e um dos padrões da cultura europeia e ocidental -- se vê ameaçada pela predação e pelas subculturas que se tornaram bandeiras ideológicas do Ocidente, e, obviamente quer ignorar o papel dos Estados Unidos na crise por eles criada, obviamente derrotados, como percebeu Trump. 

Isto é: a Europa comprou o confronto entre os Estados Unidos e a Rússia, por fraqueza e ausência de estratégia própria que não fosse a dependência dos americanos; e agora que a América quer sair, esmifrando aliás a UE, esta, patética, sem força nem orientação para além dos robertos que lhe dão a cara, quer assumir toda a despesa -- não estando nós, europeus, livres de sermos arrastados para uma guerra em largas dimensões, em virtude de provocações que ocorram no Báltico ou alhures.

Perante isto, que nos dizem as bonitas palavras de Ana Miguel dos Santos? Que Portugal, estado com todos aqueles atributos, divergindo do seu vizinho e aliado na Nato -- que por acaso é a maior superpotência mundial --, e divergindo ainda dos seus países irmãos, como gostamos de dizer, os da CPLP, deve continuar a alinhar com a acefalia da UE, e vá de ir até aos 2% e a seguir saltar para os 5% do pib em gastos militares (ditados por terceiros) e como se tal fosse possível. 

Este tipo de argumentação, que passaremos a ouvir insistentemente, nem sequer precisa que lhe aduzamos os graves problemas sociais, económicos e políticos dela decorrentes. Militar e políticamente será um desastre para a Europa e para nós por arrasto. Ou crê a articulista que a Rússia se resignará a largar a sua Ucrânia ao Ocidente?... Mas por esta andar, nem será preciso nenhuma guerra com a Rússia para rebentar com a UE -- ela prórpia, com a ajuda dos Estados Unidos disso se encarregarão.

"Coragem estratégica" é saber ler os interesses permanentes da nação portuguesa e as linhas de força que fizeram de Portugal um estado de nove séculos e que pode resumir-se nisto, pelo menos desde D. Dinis: primeiro o Atlântico, e só depois a Europa. O que Portugal tem demonstrado na guerra da Ucrânia como noutros assuntos, para além de desorientação e desleixo, tem sido, ao contrário, cobardia estratégica -- e dela dificilmente sairemos quando os dirigentes são isto. 

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