quinta-feira, setembro 26, 2024

tempo de romance

«Esta conversão dos vencedores à crença dos subjugados foi o complemento da fusão social dos dois povos. A civilização, porém, que suavizou a rudeza dos Bárbaros era uma civilização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe-lhe o pior dos males, a perversão moral.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

«Outrora não teria hesitado e, zape-zape, pinheiro arriba, iria ver em que estado se encontrava o novo berço e voltaria, depois, pelos ovos ou pelas avezitas ainda implumes, as pálpebras cerradas e o biquito glutão semiaberto ante qualquer ruído. Mas, hoje, só se fosse em pinheiro baixo e de gaio ou de rola, que eram bons com arroz.» Ferreira de Castro Emigrantes (1928) 

«Eram dois estes filhos -- Pedro e Daniel. -- Pedro, que era o mais velho, não podia negar a paternidade. Ver o pai era vê-lo a ele; -- a mesma expressão de franqueza no rosto, a mesma robustez de compleição, a mesma excelência de musculatura, o mesmo tipo, apenas um pouco mais elegante, porque a idade não viera ainda exagerar a curvatura de certos contornos a ampliar-lhes as dimensões transversais, como já no pai acontecia.» Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor (1867)

«De bordo, em curvas alternando com segmentos de rectas, o tanque era, de em par com o lineamento da escaleira que poucos passos dali conduzia à capela, duma ordenança mais harmoniosa que as rendas por minha mãe tecidas. Sobre ele erguia-se a figueira de muitos anos, sombreando o lugar a que a presença de S. Francisco dera um perfume místico de lenda.» Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa (1918)

«Neste jardim, que só os cónegos velhos frequentavam em manhãs de bom sol morno no intervalo do serviço religioso, não passeava a esta hora ninguém; e dos claustros, igualmente desertos, subia o silêncio de ruínas mortas, entrecortado pelo murmúrio argentino dum turíbulo que oscilava, com isócrona cadência, por detrás da capela-mor, nas mãos diáfanas duma criança grave.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Trupe, trupe, o Brás espraiava a vista; branqueavam as encostas centeeiras e por elas fora os penedos, encastoados pelo luar, pareciam grandes boiadas a monte. As paredes punham no chão uma sombra com seus buracos e recortes que, em perfeição, nem as rendas no altar de Santa Quitéria, padroeira da freguesia. Erguidos por detrás delas, os escarapeteiros faiscavam como castiçais; um pinhal novo aparentava mais obra de talha que tribuna de igreja, daquelas que se fabricaram em bons tempos, quando os obreiros se contentavam em ganhar um alqueire de pão ao fim do mês... e ter garantida a salvação no outro mundo. Trechos havia que lembravam mesmo templos ao depois de dizer missa. Com tanto logro para os olhos, a noite não metia sustos a ninguém, nem a pecadores, como o Brás, carregado de pecados, estes que rompem a buzinar do Inferno pelas azinhagas e caminhos tenebrosos.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)