quarta-feira, novembro 13, 2024

ucraniana CCLXVII - com a Ucrânia à beira da capitulação, os amigos do Zelensky já têm chiliques em directo

Parei excepcionalmente na sic-notícias, falava o general Pinto Ramalho, a quem já ouvira abordagens sérias a respeito desta guerra. Era raro vê-lo, especialmente porque tinha em frente ou ao lado uma diversificada cópia de comentadores, entre o oportunista, o ignorante e o asno. Hoje, diante de um alucinado que já só faltava ele próprio envergar o uniforme e ir de armas na mão combater os russos na Ucrânia -- está-se mesmo a ver --, o pobre do general, certamente confuso pela insânia ao vivo -- diz que é para a defesa do mundo livre, claro que foi isso mesmo que os americanos andaram a fazer o belo trabalho dos últimos anos, a trabalhar pelo mundo livre, como é seu timbre... --, diante de tanto espasmo bélico, apoiado em camadas grossas de mistificação ou ignorância de académico marrão -- resolveu pôr fim à função, recusando-se continuar a debater.

E a débâcle ucraniana só agora se começa a ver, pese a desinformação continuar abundante. Grotesco de se assistir, mas vamos ter espectáculos destes nos próximos tempos.

terça-feira, novembro 12, 2024

o que está a acontecer - os campos das sombras

«Sobre a montada, subindo devagar a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)

o que está a acontecer - visões do feminino

«Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: / Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante da Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco, estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.»  Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

2 versos de José Pascoal

«Os dias andam devagar, / Ao ritmo da minha pressa.» 

«Não há-de ser nada», Sob Este Título (2017)

os 8 bateristas de Phil Collins

Todos quantos já não o podíamos ouvir  com tanta música para hit, os que sabíamos do magnífico baterista, nunca deixámos que o grande músico se esvaísse das nossas cabeças. Afinal, não devíamos tanto aos Genesis, entre 1970 e, vamos lá, 1978?...

Os oito colegas favoritos: Ringo Starr (The Beatles), Keith Moon (The Who), John Bonham (Led Zeppelin), o bopper Buddy Rich, Charlie Watts (The Rolling Stones), Nick Collins (o filho), Chester Thompson (músico de Zappa, o homem que pegou nas baquetas para Collins ir para a frente do placo, em concerto) e Steve Gadd, músico de estúdio com um leque vasto de colaborações. Um vídeo com muito bom e bem informado texto, aqui.

segunda-feira, novembro 11, 2024

o que está a acontecer - ciclos do inferno

«13 de Novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... / Uma vila encardida -- ruas desertas -- pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva -- o castelo -- restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures.» Raul Brandão, Húmus (1917)

Crosby, Stills, Nash & Young, «Carry On»

4 versos de José Régio

«Como olhar-me, se eu grito que não creio / Nos próprios gritos com que chamo Deus? / Todavia, Deus sabe que em meu seio / Uma flecha de fogo aponta os céus...» 

«Poema de amor sem fé nem esperança», 

As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, novembro 10, 2024

correspondências

(Teixeira de Pascoais a Raul Brandão) «29-Maio-914 / Amarante // Meu muito estimado Amigo: // Acabo de ler o El-Rei Junot. É uma obra admirável, um grande Drama! // Brevemente lhe enviarei, manuscritas ainda, as minhas impressões sobre a sua Obra que sairão na "Águia" de Julho. Não pode ser primeiro. Tenho tido muito que fazer. Desculpe. / Com os maiores agradecimentos, sou sempre fervoroso admirador e amigo. // Teixeira de Pascoaes» Correspondência**

(José da Cunha Brochado a desconhecido) «O respeito que sempre tive e devo ter à pessoa e ao carácter de V. Ex.ª, me levou sempre à veneração de suas altas prendas pelo seguro caminho de uma pura e fiel contemplação, entendendo que, como V. Ex.ª é todo espírito e todo inteligência, mais se pagaria das respeitosas meditações da minha fé, que das intrometidas assistências da minha dignidade.» .../... Cartas*


(2) Raul Brandão - Teixeira de pascoais, Correspondência (ed. António Mateus Vilhena e Maria Emília Marques Mano, 1994)

(1) José da Cunha Brochado, Cartas (ed. António Álvaro Dória, 1944)

o que está a acontecer - os que partem

 1.ª parte «Sarita» I. «Novembro, 3 / Trago ainda na memória a lembrança daqueles choros, ontem, no cais, na hora da partida. Aquela mulher que gritava: ai o meu Manel, que não o torno a ver! -- E os soluços dos filhos e o desespero da velha, que só dizia: coragem, rapariga! -- e chorava cada vez mais. / E o meu Manel, com um ar idiota, a olhar para o rancho da mulher, da mãe e dos filhos e sem saber o que lhes dizer.»» Joaquim Paço d'Arcos, Diário dum Emigrante (1936)

«Automaticamente os seus dedos nodosos iam enrolando novo cigarro, enquanto o ombro esquerdo procurava suporte no tronco rugoso dum sobreiro. / A casa tinha, agora, um penacho de fumo, fumo da tarde, do jantar -- algodão-em-rama que se desfazia, flutuante, translúcido, quase azul.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

vária

«Pelo campo, patinando na terra aboborada de água, sucedem-se os regimentos, fazendo exercício, principalmente exercícios de assaltos às trincheiras. As tropas inglesas não descansam nunca. Nas trincheiras, batem-se sempre que é preciso e com uma coragem a que os alemães não sabem resistir.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert»  (29-III-1927), Repórteres e Reportagens de Primeira Página (s.d.)

«Transplantado, não produz flor. Tem uma folhagem pequena, curta, verde retinto, mui recortada nos bordos, e agora, na Primavera, esbracejando sobre as barreiras, tolda os pegos com caramanchéis duma vaporosidade incomparável. A sua flor é o que há de mais mimoso, mais pequenino, mais aéreo: uma joiazinha coquete, que antes diríeis insecto, pela vivacidade e esbelteza da figura.» Fialho de Almeida, «Pelos campos», O País das Uvas (1893) 

serviço público, em que, sem querer, vou parar com o Eça ao Panteão Nacional, uma acaciísse que ele não merecia que lhe fizessem

«A lição de Eça sobre a América», em sintonia com Viriato Soromenho Marques: o Eça crítico do deus-dólar (ver o texto na barra lateral), um texto publicado aos 21 anos na Gazeta de Portugal

Genial Eça de Queirós, que não merecia uma descendência acácica, que após quase deixar os restos mortais do antepassado irem parar à vala comum (ver a imprensa de 1989, principalmente o extinto diário O Europeu), vem agora, parte dela, engalanar-se de Panteão, que será para muita gente, mas não para ele.

Dar Panteão a Eça de Queirós é não ter a mínima noção do seu pensamento, é cair no ridículo, sem, naturalmente, perceber o quão ridículo se está a ser. Além disso, Eça não precisa do Panteão para nada, o país é que precisa dele, e nenhum outro sítio mais apropriado do que a mítica Tormes, longe dos gouvarinhos aparvoiçados de São Bento, criaturas pelas quais ele tinha enooorme consideração e estima.

não melhor, mas outra coisa


Já não me lembro se Todd Phillips esteve contratualmente obrigado a fazer a sequela do «Joker», ou se a fez para que outrem não fizesse um possível pastelão. A verdade é que melhor seria impossível, e por isso ele fez outra coisa -- como já vi escrito, e com o qual concordo em absoluto. É de ver e calar -- e mais não escrevo a não ser para realçar o poderoso tratamento que Hildur Guðnadóttir deu aos standards que vão entrando pelo filme.

sábado, novembro 09, 2024

o que vai acontecer

«Aquelas outras meias de seda, cinzentas, fascinavam-na. Levantou as saias e calçou-as. Olhou-se na água do riacho. Tirou-as com um suspiro. Se tivesse, como aquela porca, um idiota que lhe desse meias destas? / Procurou relembrar a sua vida. As memórias metiam sempre água e sabão.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Nesse ano, o Inverno chegou cedo. Duas semanas de nevão cobriram a serra de branco e queimaram o pastio. E foi então que começou a tragédia dos pastor velho e cansado, pai de um filho doido e dono de sete ovelhas famintas. / Dias e noites a fio baliram os animais com fome. Dias e noites, sem dormir, escutou Melo Bichão o triste balir das ovelhas.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)

«Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia Mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; este, por exemplo, que ele rege agora no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais» Histórias sem Data (1884)

Frank Sinatra, «Mam'selle»

quadrinhos


 

sexta-feira, novembro 08, 2024

o que está a acontecer

«-- [...] As pedras são todas da prumitiba, mesmo perto da torreta que leva à casa de defesa ainda se lêem uma ascrições latinas que rezam a sepultura de Dom Martim, morto de adigestão quando duma lampreiada para festejar as vitórias dos primos Barbelas. Tem a Torre trinta e dois metros de altura, é a maór da região e os degraus contam-se em oitenta e nove, com patamares de descanso. A vista lá do alto é grandiosa.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964) 

«Aqui se conta da chegada de Jerónimo Caninguili, moço benguelense, à velha cidade de São Paulo da Assunção de Luanda. E de como, enquanto Caninguili dava os últimos retoques à sua Loja de Barbeiro e Pomadas, dita ainda Fraternidade, a menina Alice soltava os pássaros do falecido pai.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989) 

«Mas o marido gritara qualquer coisa: interrogativa, ela deu meia volta e viu John, que agitava um braço e abria e fechava a boca. Dizendo o quê? E Mary aproximou-se novamente do David, regressando o marido à posição anterior, a máquina preparada. "Talvez o primeiro retrato fique melhor do que o segundo", murmura Giovanni, como se fosse ele o interessado.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

Charlotte mensuel #2


 

quinta-feira, novembro 07, 2024

4 versos de Fernando Jorge Fabião

«Vives prisioneiro / de uma videira, da empa, / dos ofícios em que as mãos / prolongam a terra.» 

Nascente da Sede (2000)

tempo de novela

«André apertou na sua uma mão seca, ossuda e brusca. Agora próximo, de novo se abriu o clarão do cigarro. André mais adivinhou que viu um bigode negro e um rosto anguloso e moreno. / Os três vultos desceram o talude junto à via férrea e seguiram por uma azinhaga sombria, enfeixada entre renques de árvores de forma confusa.» Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975) § «Ele levantara os olhos devagar, num esforço, e fora então que as ancas da mulher, assim sentada, lhe pareceram mais amplas do que quando ele estava em pé. Os seus olhos fugiram imediatamente do diabo que se escondia ali, sob as saias, redondo que nem uma abóbora; mas logo se enredaram no sorriso que a mulher luzia -- um sorriso brando e húmido.» Ferreira de Castro, A Missão (1954)

quarta-feira, novembro 06, 2024

Thelonious Monk Trio, «Reflections»

diários

.../... «Benes era, sem dúvida, um homem de excepcional envergadura intelectual e moral. / Quem teve a ventura de ler o seu livro "Democracia de hoje e de amanhã" verificou, sem esforço, que o antigo Presidente da República checoslovaca não conseguiu, sòmente, de maneira superior, interpretar os grandes problemas do nosso tempo. Não se limitou a isso. Foi mais longe.» .../... Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955)

ucraniana CCLXVI - e agora?

A retumbante vitória de Trump não vai deixar apenas Zelensky certamente de malas aviadas e em maus lençóis; deixa-nos também, UE, com uma relação com a Rússia em cacos. Não vale a pena repisar a subserviência e a estupidez das lideranças europeias, que, com honrosas excepções, se esqueceram de que tinham não apenas um vizinho poderoso a Ocidente, mas também a Leste -- que, seguindo a "estratégia" burra dos neocons que mandam em Washington, menorizaram o colosso russo, pobres coitados. Menorizaram a Rússia, hostilizaram-na e lançaram-na nos braços da China. Mais uma vez na história da política externa norte-americana, conseguiram o oposto do que pretendiam.

E agora as von der Leyen, a fulana da Estónia que ficou com a alegada política externa europeia, a chanfrada do Parlamento Europeu e o Costa e as suas pontes vazias e para lado nenhum?... Vamos ter cinco anos com estes tipos ou tratarão rapidamente de virar o bico ao prego, ou, melhor, serão esvaziados do excesso de protagonismo que, principalmente a Ursula se autoatribuiu, no meio dos scholz e outros macrons?

Sim, Trump é imprevisível, mas não é estúpido, e tem instinto, como se vê. E J. D. Vance, que provavelmente lhe sucederá na presidência dos Estados Unidos, tem um pensamento bastante estruturado. É isolacionista e não vai em wokismos anti-Putin. Há uns meses, ainda antes de Kamala, picava: "Queres que o teu filho morra no estrangeiro numa guerra estúpida? Vota em Biden." Eloquente, ainda mais se nos lembrarmos que Vance é um antigo combatente, no Afeganistão. 

Mais ou menos à margem: quem ainda vai atrás de televisões, centrais de propaganda como a cnn central, reproduzindo-a bovinamente? "Empate técnico", não era? Eu sempre tive um feeling de que Trump ganharia, mas nunca desta maneira. Aliás, creio que nem o próprio.

2 versos de José Agostinho Baptista

«OH crepúsculos lentos onde me suicidei no verão enquanto / no mundo aldeias e aldeias eram devoradas pelo fogo yankee...» 

Deste Lado Onde (1976)

(sempre a tempo) Camilo Mortágua (1934-2024)