ANTON BRUCKNER, SINFONIA N.º 7
Melodia imponderável de águas no planalto.
Vapores líquidos trepam beleza incontida por árvores decrépitas
e súbito
loucas
rolam pela encosta torrentes fragmentadas de luz
diáspora incontida do som que paira na montanha.
Eco desejado
e para sempre
repetido.
Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)
«O senhor padre Ambrósio, meu bom mestre, mandou chamar os Violas à Livraria do Convento. (...) Lá no patiozinho que dava acesso ao mosteiro, voltando-se para mim que tivera por delicadeza não assistir ao que ia passar-se, pronunciou:
ResponderEliminar-- Libório, bom seria que me ajudasses a passar a esponja do fel a esta pobre gente. Se te não custa, bem fazer-me companhia.
A mãe Violas chegou primeiro, aturdindo com as chancas ferradas o recolhimento do eremitério a que a fonte estava contando melancólica lenda; só dali a pedaço o velho, muito ronceiro, de cabeça ao léu, encolhido numa camisa de mondongos, por uma casa da qual passava o nó vermelho do lenço de assoar. Vinha de pés descalços, e sobre ele, à flor das calças arremangadas, as ceroulas de nastro pingavam ainda a baba lodosa do regadio.
Meu mestre atirara-se sobre a poltrona de coiro, de membros passos, solenizando, num enorme assopro, a ardentia daquela manhã sem nuvens. E minuciosamente, com o vagar dum monge dispondo as partículas no hostiário, pôs-se a limpar os óculos.
-- Isso vai melhor, Manuel? -- proferiu meu mestre, logo que reparou no Violas.
O velho torceu a cabeça num trejeito pessimista e foi ela que respondeu:
-- Bem haja, senhor reitor; melhoras poucas. Depois que deu o trambolhão da árvore abaixo, ficou ofendido lá por dentro.
Disseram que era a espinhela caída, mas qual? Fomos ao boticário, fomos à benta das Dornas, nenhum adregou com a moléstia. Não há emplastro que lhe não tenha botado. Só a terra é que o cura... Depois é o que ali se vê, um molancão que nem já tino tem para abotoar a braguilha das calças...
E, com a mão desencabada do avental, apontava o seu homem, mudo e amachucado no meio da sala como um "zorato".
-- Mau é isso!
-- Ai, senhor reitor, se Deus o não tira deste mundo, derranca-me a passarinha! Está o cabo dos trabalhos, sempre rabugento, sempre a fedelhar. Disse o senhor Ferreira da botica que padecia também da figadeira; é mas é o Porco-Sujo que anda metido nele...
Meu mestre atalhou àquele libelo conjugal com dizer, sorrindo:
-- A gente faz-se velha sem querer. E os anos, minha santa, são como o vinho filho da cepa, deixam borra; à mais ligeira sacudida temos a vasilha torvada... Mas tudo na terra é pena e estrago. Já rezavam os antigos: triste é que seja só trabalho o que se chama vida!...Mas vamos ao que importa. Chegaram-me aos ouvidos uns rumores, de que vos quero prevenir, ainda que arrenegueis do alvissareiro...
-- Seja o que Deus quiser -- respondeu a mãe Violas. -- Quem nasceu em má estrela não esteja à espera de dia bom.
-- Sentai-vos, Sentai-vos!
E meu bom mestre indicou-lhes a preguiçadeira, ...»
Aquilino Ribeiro, "A Via Sinuosa" (1918)