domingo, setembro 17, 2023

antologia improvável #506 - Armando Taborda


ANTON BRUCKNER, SINFONIA N.º 7


Melodia imponderável de águas no planalto.


Vapores líquidos trepam beleza incontida por árvores decrépitas

e súbito

loucas

rolam pela encosta torrentes fragmentadas de luz

diáspora incontida do som que paira na montanha.


Eco desejado

e para sempre 

repetido.

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)

1 comentário:

  1. «O senhor padre Ambrósio, meu bom mestre, mandou chamar os Violas à Livraria do Convento. (...) Lá no patiozinho que dava acesso ao mosteiro, voltando-se para mim que tivera por delicadeza não assistir ao que ia passar-se, pronunciou:
    -- Libório, bom seria que me ajudasses a passar a esponja do fel a esta pobre gente. Se te não custa, bem fazer-me companhia.
    A mãe Violas chegou primeiro, aturdindo com as chancas ferradas o recolhimento do eremitério a que a fonte estava contando melancólica lenda; só dali a pedaço o velho, muito ronceiro, de cabeça ao léu, encolhido numa camisa de mondongos, por uma casa da qual passava o nó vermelho do lenço de assoar. Vinha de pés descalços, e sobre ele, à flor das calças arremangadas, as ceroulas de nastro pingavam ainda a baba lodosa do regadio.
    Meu mestre atirara-se sobre a poltrona de coiro, de membros passos, solenizando, num enorme assopro, a ardentia daquela manhã sem nuvens. E minuciosamente, com o vagar dum monge dispondo as partículas no hostiário, pôs-se a limpar os óculos.
    -- Isso vai melhor, Manuel? -- proferiu meu mestre, logo que reparou no Violas.
    O velho torceu a cabeça num trejeito pessimista e foi ela que respondeu:
    -- Bem haja, senhor reitor; melhoras poucas. Depois que deu o trambolhão da árvore abaixo, ficou ofendido lá por dentro.
    Disseram que era a espinhela caída, mas qual? Fomos ao boticário, fomos à benta das Dornas, nenhum adregou com a moléstia. Não há emplastro que lhe não tenha botado. Só a terra é que o cura... Depois é o que ali se vê, um molancão que nem já tino tem para abotoar a braguilha das calças...
    E, com a mão desencabada do avental, apontava o seu homem, mudo e amachucado no meio da sala como um "zorato".
    -- Mau é isso!
    -- Ai, senhor reitor, se Deus o não tira deste mundo, derranca-me a passarinha! Está o cabo dos trabalhos, sempre rabugento, sempre a fedelhar. Disse o senhor Ferreira da botica que padecia também da figadeira; é mas é o Porco-Sujo que anda metido nele...
    Meu mestre atalhou àquele libelo conjugal com dizer, sorrindo:
    -- A gente faz-se velha sem querer. E os anos, minha santa, são como o vinho filho da cepa, deixam borra; à mais ligeira sacudida temos a vasilha torvada... Mas tudo na terra é pena e estrago. Já rezavam os antigos: triste é que seja só trabalho o que se chama vida!...Mas vamos ao que importa. Chegaram-me aos ouvidos uns rumores, de que vos quero prevenir, ainda que arrenegueis do alvissareiro...
    -- Seja o que Deus quiser -- respondeu a mãe Violas. -- Quem nasceu em má estrela não esteja à espera de dia bom.
    -- Sentai-vos, Sentai-vos!
    E meu bom mestre indicou-lhes a preguiçadeira, ...»
    Aquilino Ribeiro, "A Via Sinuosa" (1918)

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