sábado, junho 21, 2025

alhures

«Mas quem é que Vos invoca se antes Vos não conhece? Esse, na sua ignorância, corre perigo de invocar a outrem -- Ou porventura, não sois antes invocado para depois serdes conhecido? "Mas como invocarão Aquele em quem não acreditaram? Ou como hão-de acreditar, sem alguém que lhes pregue?"» Santo Agostinho, Confissões (397-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina § «E quando eu era ainda um menino de oito anos, atribuíram ao meu pai certas sangrias mal feitas, nos sacos dos que vinham ali moer, pelo que foi preso, e confessou em vez de negar, e sofreu uma pena por justiça. Espero em Deus que esteja em glória, pis aos do género dele o Evangelho chama bem- aventurados.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty

sexta-feira, junho 20, 2025

2 versos de Fernando Namora

 «Palavras foram o vinho / de uma sede inventada.» 

 «Palavras», Marketing (1969)

o que está a acontecer

«E fiz este assento, que assinei -- Filipe Moreira Dias. // À margem esquerda deste assento está escrito: // Foi para a Índia em 17 de Março, de 1807. // Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há-de fazer dó.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

zonas de conforto

José Régio: «Uma luz vermelhentada tosquenejava triste no escuro; e dir-se-ia que ninguém mais saíra nessa estação deserta e lúgubre, perdida em distâncias que a Rosa Maria nem pareciam Portugal.» Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) § Augusto Casimiro:  «Que o Amor da tua terra seja o Amor de toda a Terra, resumido mas purificado para realizar-se melhor.» O Livro dos Cavaleiros (1922) § Fialho de Almeida: «Pois estas analogias tão nebulosamente poéticas, este ar de família que as coisas brutas conservam das coisas vivas, não as pensem casuais ou fantasiosas: está provado que resultam duma ascendência logicamente propulsionada, com sua biografia, sua evolução, caracteres herdados, e mais ainda, vícios transmitidos.» O País das Uvas (1893) - «Pelos campos» § António de Cértima: «No entanto, no nosso espírito não deixa de tomar forma a ideia de que o verdadeiro Paris não vive aqui, apegado aos substratos das margens do Sena, mas sim espalhado por continentes e nações na pessoa de todos os artistas, de todos os intelectuais e de todos os sábios que se têm alimentado da sua cultura e das claridades do seu génio. / Paris, uma cidade? Não, uma expressão espiritual do orbe.» Doce França (1963) § Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa (24-XII-1467): .../... «E mal pecado, porque somos em tal ponto que os nossos rectores e os que nos hão-de governar mais atendem a nos trosquiar que nos aproveitar.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965) § Machado de Assis: «Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada.» Histórias sem Data (1884) - «Cantiga de esponsais»

o que está a acontecer

«I-I - Quem, de longe, remire Alfamar, cada renque horizontal das suas casas brancas como a escalar os dois regaços do cerro intonso e altaneiro  que um castelo de traça mourisca ainda hoje simula proteger -- ajuizará sobre o desafogo de vistas dessa vila algarvia, a várzea, que ostenta à ilharga, engalanada com a vegetação das hortas bem cultivadas e sortidas.» Assis Esperança, Pão Incerto (1964)

«1. Empurrados do interior, os povos buscavam o litoral na esperança de uma mandioquinha, de um caldinho de peixe, de um cana para chupar, ou de folhas verdes para mastigar. Qualquer coisa que lhes desse, ao menos, a ilusão de alimento. Mas nas povoações da beira-mar, mesmo nas terras maiores, os haveres tinham sido também arrasados pelos ventos da miséria.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)

«A SEARA  - A festa -- 1. O vento arrastou as nuvens, a chuva cessou e sob o céu novamente limpo as crianças começaram a brincar. As aves de criação saíram dos seus refúgios e voltaram a ciscar no capim molhado. Um cheiro de terra, poderoso, invadia, tudo, entrava pelas casas, subia pelo ar.» Jorge Amado, Seara Vermelha (1944)

«Escolhera o mestre do barco aquela noite negra, para que a Lua não assistisse à largada. Também não compareceram as estrelas, com grande contentamento do velho João Frade, posto lhes quisesse muito, mas no alto, em plena derrota, para conversar com elas  sobre coisas noutros tempos acontecidas, já que sem idade para sonhar com vida nova.» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)

1 verso de Alberto de Lacerda

«o gesto perfeito o grito já sem dor» 

«Orfeu», 77 Poemas (1955)

quarta-feira, junho 18, 2025

2 versos de Arnaldo Santos

 «Não sei se as dálias eram sonhos / Crescendo por acaso no carreiro...» 

«Passeio»,  Fuga (1960)

o rei dos salamaleques

 Nisto, ele está sempre a jogar em casa.

2 versos de José Agostinho Baptista

«entretanto alguma coisa se passou que ultrapassa a / excessiva solidão do poema.» 

«A Maria C.», Deste Lado Onde (1976)

os meus desejos para esta guerra

Do que eu gostaria mesmo mesmo era que o Netanyahu levasse com um míssil nos cornos. 

Depois, o regime dos aiatolas poderia cair, e o Irão tornar-se algo mais digno dos seus milénios, uma sociedade sem discriminação das mulheres -- muito acima da condição geral das mulheres árabes, apesar de tudo --;

e de preferência sem o descendente do pseudo-Xá, filho de um militar de baixa patente que através de um golpe de estado, apeou os verdadeiros reis da Pérsia e se entronizou a si próprio.

2 versos de Rui Knopfli

«Atiramos pedras pr'além do muro / e escutamos o som opaco da queda.»

«Tédio», O País dos Outros (1959)

alhures

«Tanto eu como Gertrude Stein examinámos as últimas obras de Picasso cuidadosamente e Gertrude Stein foi de opinião que "a arte era mera expressão de algo". Picasso discordou e disse: "Deixem-me em paz. Estava a comer." Na minha opinião Picasso tinha razão. Estava mesmo a comer.» Woody Allen, Getting Even / Para Acabar de Vez com a Cultura (1966) - «Memórias dos Anos Vinte» - trad. Jorge Leitão Ramos § «Os polícias transpiram, rosnam e praguejam. As matracas erguem-se e baixam-se sobre o homem sem liberdade. / Na cela há cinco polícias fortes e um preso. // Para principiar, torceram-lhe os braços até estalarem as articulações. Bateram-lhe na cabeça com as matracas. Depois, deram-lhe valentes pontapés, ao acaso.» Michael Gold, Para a Frente, América... -- «Cárcere» (trad. Manuel do Nascimento) § «Não me perguntes o que foi feito da rapariga porque perdi a sua morada. Não imaginas o tempo que já perdi à procura dela! Daqui vem a minha doença. Quando te conheci acabava de ler o último nome da lista dos telefones deste ano. De repente reparei que te parecias muito com a mocinha de atrás dos arbustos e perguntei-te:» Félix Cucurull,  «Carta de despedida»Antologia do Conto Moderno - trad. Manuel de Seabra § «O meu pai, que Deus lhe perdoe, estava encarregado da moenda de uma azenha que fica à beira daquele rio, onde foi moleiro mais de quinze anos. E estando a minha mãe uma noite na azenha, pejada de mim, vieram-lhe as dores do parto e pariu-me ali mesmo. De maneira que posso em boa verdade dizer que nasci no rio.» Anónimo, Lazarilho de Tormes (1554) - trad. Ricardo Alberty. § «Todavia, esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-Vos. Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto enquanto não repoisa em Vós. / Concedei, Senhor, que eu perfeitamente saiba, se primeiro Vos deva invocar ou encomiar, se, primeiro, Vos deva conhecer ou invocar.»  Santo Agostinho, Confissões (396-400) - trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina

o que está a acontecer

«E lá ia, que remédio!, de balde ao ombro, a espreitar alguma maracha que precisasse de engravatada, por oscilação de terras, ou canteiro mais soberbo por desequilíbrio da gleba. Bem regara aquela maldita com o seu suor; longas horas de repouso tinha perdido à sua volta. Mas também a alegria de ver todo o arrozal farto de espigas o dava por bem pago no fim do contrato.» Alves Redol, Gaibéus (1939)

«Porque diabo este pacóvio largou tudo e abalou também? / E os outros, -- toda a malta da terceira, imunda, sórdida -- miseráveis, porque trocam a sua pobreza livre pela escravidão? E eu?» Joaquim Paço d'Arcos, Diário dum Emigrante (1936)

«Às quatro paredes brancas, seguiam-se a capoeira da criação e o quintal, mui cultivado, muito verde -- as couves gordas, os feijoeiros abraçados às estacas e as ervilhas cheias de garridice por terem flores como violetas.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928) 

sexta-feira, junho 13, 2025

4 versos de Carlos Queirós

«Viver! -- O corpo nu, a saltar, a correr / Numa praia deserta, ou rolando na areia, / Rolando, até ao mar... (que importa o que a alma anseia)? / Isto sim, é viver!» 

«Ode Pagã, Desaparecido (1935)

quinta-feira, junho 12, 2025

oscinco bateristas de Ian Paice

Gene Krupa, Buddy Rich, Carmine Appice, Ringo Starr e Joe Morello: três jazzmen e dois rockers. Quem ouve o eterno baterista dos Deep Purple, percebe. Aqui.


há 150 anos com as mãos nos bolsos


Faz hoje 150 anos que o genial Rafael Bordalo Pinheiro criou o Zé Povinho, caricatura do povo português, que ficou sem o que fazer depois da independência do Brasil. Gonçalo Mendes Ramires bem sugeriu  África como remédio para a apatia, mas já era tarde. Bordalo pertencia a essa Geração de 70, a mais crítica da nossa contemporaneidade -- Santo Antero, papá Eça, avô Ramalho, tio Joaquim Pedro, philosophe... 

Queriam-nos mais europeus, sem deixarmos de ser portugueses. Os mais expeditos, ambiciosos, aventureiros emigraram; os outros ficaram, agarrados à enxada.  Salazar ajudou bastante, até que, faz hoje quarenta anos, Mário Soares assinou a nossa inevitável adesão à CEE, no claustro dos Jerónimos 

Imagem magnífica a da cerimónia no vetusto monumento doutras eras, e também túmulo do venturoso Manuel I: o que éramos e o que queríamos ser. Numa geração, passámos da enxada ao 5G. 

Como escreveu o Almada Negreiros, "Coragem portugueses", etc.


Rui Ochôa


2 versos de José Régio

«Quando eu me poupe a falar, / Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!» 

«Invocação ao meu anjo», As Encruzilhadas de Deus (1936)

bandidos à solta

São pequenas aberrações, larvas para extermínio antes que se desenvolvam. A polícia deve saber onde param, nas claques dos futebóis, por exemplo, mas não só. Atacaram em grupo, como é timbre destes cobardes, que se dizem nacionalistas, mas aposto que cada-palavra-cada-erro. Nacionalistas, dizem-se, pobres diabos, que atacam o actor Adérito Lopes, que, n'A Barraca, sob a direcção de Maria do Céu Guerra, interpretava o papel de Camões no Dia de Camões. Nacionalistas de caricatura cujo grupo se autoidentifica com um nome inglês... Trinta anos depois de o pacato Alcindo Monteiro ser assassinado por criaturas destas.

"Remigração", parece que estava escrito nos papelotes que estes inúteis deixaram no local do crime. Compreende-se, têm medo que o RSI não dê para todos... "Remigração" é também uma palavra usada pela cúpula do Chega, o segundo partido da parvalheira. Les beaux esprits...

Grande admiração pela classe de Maria do Céu Guerra, enorme!, no modo como se refere ao sucedido; e elogio claro a Carlos Moedas, que logo se deslocou ao local, dizendo que "isto não pode acontecer"! (Estou-me nas tintas se estamos em pré-campanha.) Pois não pode... Isto não é caso de polícia, mas de contraterrorismo. Têm os meios, mexam-se!...

4 versos de Camões

«A noite se passou na lassa frota, / Com estranha alegria e não cuidada, / Por acharem, da terra tão remota, / Nova de tanto tempo desejada.» 

Os Lusíadas, I, 57 (1572)

o que está a acontecer

«A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente o Ramalhete.» Eça de QueirósOs Maias (1888) 

«I. Óbito do autorAlgum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.» Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)

«Debalde muitos homens de génio revestidos da autoridade suprema tentaram evitar a ruína que viam no futuro: debalde o clero espanhol, incomparavelmente o mais alumiado da Europa naquelas eras tenebrosas e cuja influência nos negócios públicos era maior que a de todas as outras classes juntas, procurou nas severas leis dos concílios, que eram ao mesmo tempo tempo verdadeiros parlamentos políticos, reter a nação que se despenhava.» Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844)

2 versos de Florbela Espanca

«Desde que o meu bem partiu / Parecem outras as cousas:»

in «Trocando Olhares», Antologia Poética

o que está a acontecer

«Vendo-o assim, "Piloto" hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume, quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

«Quando o chefe voltou, depois do expediente e do sinal de partida, padre Dionísio, que aguardara solitário relanceando morosamente a vista, saiu-lhe ao encontro e inquiriu se não viera ao comboio qualquer pessoa da herdade dos Cardeais-» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Em 1875, nas vésperas de Santo António, uma desilusão de incomparável amargura abalou o meu ser; por esse tempo, minha tia D. Patrocínio das Neves mandou-me do Campo de Santana, onde morávamos, em romagem a Jerusalém: dentro dessas santas muralhas, num dia abrasado do mês de Nizam, sendo PONCIUS PILATUS procurador da Judeia, ELIUS LAMMA legado imperial da Síria e J.-KAIAFA Sumo Pontífice, testemunhei, miraculosamente, escandalosos sucessos: depois voltei -- e uma grande mudança se fez nos meus bens e na minha moral.» Eça de Queirós, A Relíquia (1887)

amanhã é feriado, vou perguntar ao Zelensky se está bom no Guincho

 Nos canais de bardanotícias aqui da parvónia, o Zelensky continua a ser um Churchill -- como disse, certo dia, o Fareed Zakaria... pouco importa que tenha sido uma marioneta de americanos e britânicos contra os ucranianos e com isso tenha deitado o seu país a perder, em função dos interesses americanos e não só (lembremos o papel de duas abjecções como Joe Biden e Boris Johnson no prolongar da guerra, para esvair a Rússia -- o verdeiro objectivo -- quando da primeira tentativa de acordos de paz).

Não especulo sobre as intenções deste bicho, se vai morrer de armas na mão, como seria sua obrigação, depois do mal que tem feito, ou se há alguma ponta de verdade no que dizem os seus detractores, sobre um eventual e bem esportulado enriquecimento ilícito -- não vou por aí, não me interessa, nem sequer é preciso...

Basta dizer que à conta da criatura e de quem a sustenta, a Ucrânia está como está, e a caminhar para muito pior. Mas, não contente com isso, seguindo à risca o gizado pela trupe neo-con do lado de lá do Atlântico, tem procurado, desde o princípio, envolver-nos a todos na guerra -- o que só não conseguiu ainda, não por bom-senso das lideranças europeias (meu deus, a nulidade do Costa, parece que engenheiro de pontes, é presidente do Conselho Europeu...), mas porque ainda não puderam. Mas há quem não descanse enquanto tal não suceder, não só do lado de lá, como, pasme-se, do lado de cá do Atlântico. Que imbecis, que vigaristas...

Para as notícias dos bardacanais, e os zeros que os dirigem, Zelensky, em vez de a sua acção ser abordada segundo um prima jornalístico (chamam àquilo jornalismo, certo?) -- ou seja: um político apanhado em determinadas circunstâncias, reagindo melhor ou pior de acordo com elas, o que nos dão é uma caricatura de propaganda reles, em que cada espirro e cada flato que o homem emane equivale a um tratado de clarividente liderança; ele tudo sabe, tudo vê, é um predestinado, um Churchill.




2 versos de Cesário Verde

«Se eu não morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!»

«O sentimento dum Ocidental - IV. Horas mortas», O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

sexta-feira, junho 06, 2025

ucraniana CCCXCI - o jornalismo por e para atrasados mentais - e começa no título

É da prestimosa cnn-Portugal, e reza assim: "Rússia lança um dos maiores ataques aéreos de sempre contra civis depois do ataque da Ucrânia aos bombardeiros russos"

Vejamos: "Rússia lança um dos maiores ataques aéreos de sempre". O cidadão comum que se aflige com a guerra, embora tudo aquilo o ultrapasse (questões políticas, económicas, culturais, militares -- geoestratégicas, em suma), depois de sujeito à propaganda esmagadora que os do seu lado lhe impingiram, hecatombes russas, baixas sobre baixas, etc., fica de pulga atrás da orelha quando lê, ao fim de 18 pacotes de sanções, que a Rússia lança "um dos maiores ataques aéreos de sempre". Sente-se estúpido, enganado, não acredita no que vê e lê, e já desconfia das próprias imagens. Bravo, "jornalismo"! 

E contra quem lança a Rússia este poderosos ataques aéreo: "contra civis", pois claro -- não há-de escapar um ataque com míssil hipersónico contra qualquer jardim infantil; há três anos e meio que os russos declararam guerra contra creches, hospitais, parques infantis, lares da terceira idade, canis, num genocídio atroz...

Vamos ler a "notícia" e quantas vítimas resultaram de "um dos maiores ataques de sempre contra civis"?: "pelo menos quatro mortos"Se eu fosse um palestino de Gaza, ou habitante do Rio de Janeiro, quereria rapidamente procurar refúgio na Ucrânia.

Palma-cavalinhos que não se enxergam; são tão estúpidos, ó valha-me deus!... 

5 versos de Arnaldo Santos

«Cansados / Mansamente / Escondendo-se no crepúsculo de uma esquina. // Escondiam-se do mundo / E de si próprios.» 

Fuga (1960)

não vejo retrocesso nenhum na Cultura

Ao contrário do que defende um pensador de alto coturno, não vejo retrocesso nenhum na pasta da Cultura. Onde antes estava uma nulidade política e um equívoco, está agora uma dirigente nacional do partido no poder. Claro que não tem a dimensão cultural de um David Mourão-Ferreira, de uma Gabriela Canavilhas, ou uma visão de largo espectro como Lucas Pires, Manuel Maria Carrilho ou Pedro Adão e Silva. Mas tem uma ou duas coisas que faltam a muitos: tem poder e não está confinada aos nichos da 'cultura'. Se tiver alguma substância (que até parece ter, independentemente de parecer deixar-se contaminar por wokismos saloios -- deve ser da idade), poderá fazer um lugar aceitável. Logo veremos se não será outro Santana Lopes, politicão e popularucho. O facto de ter acoplado o desporto e a juventude, no primeiro caso, um sec. de estado chega; no segundo, as grandes decisões nunca passam por ali. 

a cobardia de Portugal -- que vergonha, que vergonha, como nos envergonham!

Nem se trata deste governo em particular. Depois de Espanha, Eslovénia e Irlanda terem reconhecido o Estado palestino (nem falo no Brasil, que o fez há anos, na primeira presidência de Lula, creio); nem com a prática de genocídio: a morte indiscriminada, a fome usada como arma aos olhos de todos, ninguém em lado algum se admiraria que Portugal fizesse o que é justo, com as facilidades que o criminoso Netanyahu e o seu governo fora-da-lei nos tem dado.. Mas não, os primeiros-ministros que temos tido só mostram medo -- medo de irritar os americanos, ou até os ingleses quem sabe (li algures que Malta, o país mais pequeno da UE se prepara para fazê-lo).

Venham cá falar do Putin, grandes vigaristas!...

Como é possível um país com a história de Portugal e com a sua cultura, descer tão baixo? Como é possível diminuirmo-nos assim? Como podem politcóides de meia-tigela que elegemos desbaratar a história que temos, os nossos recursos históricos e diplomáticos. Que voz não poderíamos ter no mundo. mas temos isto, claro. Governos cobardes, um povo amarfanhado, como convém.

Que vergonha olhar para isto tudo...

4 versos de Armando Taborda

«banco de jardim ao sol onde me sento / espero que a morte me leve / à velocidade da luz / para a explicação da vida»

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1986)

quarta-feira, junho 04, 2025

3 versos de José Pascoal

«Sei de nomes e de rostos que conheço, / E daqueles, também, que desconheço, / E que tudo tem fim no seu começo.» 

«Oração de sapiência», Sob Este Título (2017)

terça-feira, junho 03, 2025

2 versos de Carlos Queirós

«E escravo, como sempre me encontraste, / Do mais breve sorriso que tu esboces.» 

«Frivolidade», Desaparecido (1935)

o que está a acontecer

«Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha Vida -- que neste século, tão consumido pelas incertezas da Inteligência e tão angustiado pelos tormentos do Dinheiro, encerra, penso eu e pensa o meu cunhado Crispim, uma lição lúcida e forte.» Eça de Queirós, A Relíquia (1887)

«Nenhum outro passageiro descera. Dois homens rústicos, tipos de guardadores de gado, de mantas e safões de pele de ovelha, ostentando militarmente cajados altos como armas em descanso, atentaram nele, curiosos, pasmados, mas sem quebrarem suas atitudes rígidas, indiferentes àquele estranho que chegava.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Horácio estava junto de Idalina, também conhecida de "Piloto"; estavam sentados num dorso de rocha que emergia da terra, ao cabo das decrépitas e negrentas casas do Eiró, no cimo da vila. E tão atarefado parecia Horácio com as palavras que ia dizendo à rapariga, que não deu, sequer, pela chegada do cão.» Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (1947)

segunda-feira, junho 02, 2025

debate sobre o controlo da comunicação e das mentes, a propósito da Guerra da Ucrânia -- é claro que vou!

Haverá uma jornalista a moderar, e ainda bem, pois jornalismo é coisa que raramente se viu até agora -- pelo contrário: impreparação, ignorância, desleixo, descaso, mediocridade crassa, enfim. No liceu, tive uma cadeira chamada 'Iniciação ao Jornalismo'. Aí aprendi que o jornalismo deve, por exemplo, reportar ambos os lados de um conflito. Alguém, com excepção de um free lancer, mandou uma equipa de jornalistas ao outro lado?, alguém ouviu os habitantes da Crimeia, do Donbass? A RTP, televisão do estado, é gritante: enviou para Kiev um lamentável pé de microfone da propaganda americana, chamado Cândida Pinto; correu com o rebarbativo Raul Cunha, demasiado inconveniente; convida Agostinho Costa quando o rei faz anos; foram preciso quase três anos de guerra para que uma das vozes mais cultas, críticas e lúcidas (o grande problema é mesmo ignorância e boçalidade cultural) do espaço público, como Viriato Soromenho-Marques, fosse dizer qualquer coisa à RTP, e primeiramente a propósito de outro assunto (as eleições americanas); Carlos matos Gomes, um militar que foi um intelectual esplêndido, além de romancista de alto coturno, nunca lá pôs os pés, que eu saiba (a não ser para falar sobre a Guerra Colonial); Pezarat Correia nunca aparece. Em geral, quem aparece são uns marrões que seguiram a carreira académica, atrasos de vida que lêem imensos papers, lixo igual ao que produzem, ou então não percebem nada do que lhes passa debaixo dos olhos. A generalidade das estações de notícias (a sic e a grotesca parelha Rogeiro-Milhazes, ou a falcoa Vaz Pinto), exceptuando a cnn-Portugal, valha-nos deus, apesar do humorista Botelho Moniz e da inefável Soller, entre tantas outras personagens da carnavalização do comentário geopolítico). Da imprensa escrita e radiofónica, nem se fala. 

Por isso, vou fazer o sacrifício de pegar em mim e ir de Cascais a Lisboa -- talvez fique a perceber por que razão o que nos é vendido como jornalismo não passa da negação do próprio jornalismo.




5 versos de José Régio

«Aqui, sentado, / Sobre mim próprio dobrado, / Com livros ao lado, / Canetas e aparos, / Tinteiro e papel timbrado,»


«Caos», As Encruzilhadas de Deus (1936)

uma sociedade doente, desconjuntada e à beira do colapso

Bem pode o ministro do interior francês falar em minoria de bandidos que cometeram os desacatos sexta à noite, em Paris, após a vitória do PSG. O que mostram as imagens, mesmo que se trate de duas ou três ruas em cada cidade, é o mal-estar daquela sociedade, à beira de se desconjuntar. Quem tem andado por lá, pelas ruas, nos transportes, sente-o.