Vou agora fingir acreditar nas patranhas que a propaganda pretende inculcar, que o Putin quer reconstituir a União Soviética ou o império czarista -- e esquecer-me de que o presidente russo é um nacionalista impregnado de mentalidade russa, sustentado (e sustentando) pela Igreja Ortodoxa, e aceitar que a expansão da NATO é apenas uma desculpa para o que se passa na Ucrânia. Finjo acreditar nisso tudo, sem precisar de me socorrer das hipóteses infantis da doença, física ou psiquiátrica, correndo o risco de ser insultado por este serafim saudade.
A decência obrigar-me-ia sempre a denunciar a perseguição que está a ser feita a grandes figuras russas da actualidade, pelo simples facto de serem russos, forçados a declarar-se contra o governo do seu país em estado de guerra. É o que acontece com Daniil Medvedev, o tenista actualmente número 1 do ranking mundial (ele e todos os outros tenistas russos e bielorrusos). A canalhice já nem por delito de opinião, mas delito de amizade, atingiu um dos grandes maestros da actualidade Valery Guerguiev, demitido da direcção da Orquestra de Munique e do Scala de Milão. É culpado de ser amigo de Putin e não ter respondido ao ultimato das duas instituições, que lhe pediam se demarcasse daquele. Foi despedido por ser digno, por não renegar a amizade nem ser troca-tintas. Claro que é Guerguiev que se agiganta diante dos burocratas e comissários políticos.
Das alturas da grande música e do desporto de alta competição, apenas uma nota rasteira: o Biden, um destroço físico, intelectual e moral que se entreteve a chamar assassino e rufia ao Putin, assume a posição de corrécio com a China.
É a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, não é? Pois é, pois é...
P.S. A forma como Putin se referiu ontem aos opositores internos -- se é certo que ele tem de lidar com uma quinta-coluna -- foi abjecta, inaceitável e incivil (os mosquitos que nos entram acidentalmente na boca e se cospem). A última vez que vi uma criatura usar esta linguagem foi o patife do Kadafi, que acabou como se sabe.
(Lembrete: como aqui tenho escrito, a guerra da Ucrânia está para lá de Putin -- e a última coisa que alguém me verá fazer aqui é isentar os americanos -- os grandes responsáveis pelo que está a acontecer na Ucrânia, a par dos seus homens de Kiev. Os comentadores que têm opinado sobre esta guerra endossando acriticamente a versão NATO, ou são megafones da administração americana ou, a maioria, bois a olhar para palácio, não vêem um cu. Não tenho nem quero ter nada que ver com essa fauna.)
Já somos dois, pelo menos, neste tempo de lavagem cerebral nunca vista. Este blogue é dos poucos na nossa dimensão nacional que usa a razão para ler a realidade, ao contrário de tantos outros, que perderam completamente o norte, abdicaram dos seus princípios e que para aí andam a deitar gasolina para a fogueira. É incrível a cegueira e a facilidade com que a propaganda sempre repetida consegue fazer das pessoas joguetes de interesses supostamente livres, democráticos e o raio que os parta. Só espero é que isto não descambe na famosa máxima de Einstein, de acordo com a qual a quarta guerra mundial será travada com paus e pedras.
ResponderEliminarBiden, Putin ou Nikolai Gogol?
ResponderEliminarhttps://www.aljazeera.com/opinions/2022/3/11/who-to-believe-on-ukraine-biden-putin-or-nicolai-gogol
Lúcio Ferro, obrigado pelo comentário. Já prometi a mim próprio fazer um balanço ponto por ponto do que escrevi, quando isto chegar ao fim. Espero que não falte muito.
ResponderEliminarObrigado, Sara, vou ler. Um terá mais afinidades com o Gogol que o outro...
Muito bom, sábio conselho de um intelectual iraniano (professor em Columbia).
ResponderEliminarUm abraço