Quando Manuel Alegre desertou, na Guerra Colonial e após ter sido preso, tomou uma das poucas decisões decentes que qualquer indivíduo apanhado numa engrenagem de crime deve fazer. Porque a Guerra Colonial levada a cabo pelo governo português de então, mais não pretendeu senão sustentar uma situação de facto: a dominação de territórios alheios, com recurso à força. Governo que, recordemos, era ilegítimo, por não assentar em mandato popular e se sustentar no poder com base na fraude (eleições forjadas), e no terror (pide, legião, informadores, prisões e deportações). Em 25 de Abril de 1974 a legalidade foi reposta..
Há por aí umas excrescências que têm o desplante, ainda hoje, de defender a acção do regime anterior neste campo, com o sofisticado argumento de que aquilo "era nosso e muito nosso" -- ipsis verbis ouvido num debate televisivo a uma criatura que numa anterior campanha para as presidenciais veio acusar Manuel Alegre de traição à pátria e outras aleivosias. Não foi uma crítica, foi um insulto, e grave -- ainda para mais durante um processo eleitoral, o que até pode levantar suspeitas de ataque oportunista e facciosamente motivado, portanto com agravantes.
O homenzinho foi há pouco condenado pela Relação a indeminizar Manuel Alegre, depois de uma luminária qualquer da primeira instância ter absolvido o ofensor.
Agora, vejo com desgosto, algumas pessoas defenderem a argumentação do advogado de defesa -- pessoa respeitável, mas que, enfim, exagera --, quando diz que esta condenação é de alguma forma um condicionamento da liberdade de expressão.
Como?...
Então, ao abrigo da liberdade de expressão, podemos fazer as acusações mais vis? Se eu tiver uma moral vitoriana, e disser que determinada fulana por ter tido mais do que uma relação amorosa, é uma puta, estou a insultar, com base em preconceitos trogloditas -- e, objectivamente a provocar um dano a essa pessoa --, ou estou a exercer o meu legítimo direito à liberdade de expressão?
É evidente que esse direito não pode colidir com outro direito, que é o da dignidade e honra de terceiros, e qualquer adolescente percebe isso (o que pelos vistos não foi percebido pelo juiz da primeira instância). E de tal maneira assim é, que qualquer energúmeno pode vir defender que Angola (ou Timor ou o Brasil) "era nossa e muito nossa". Ao fazê-lo, ofende a minha sensibilidade, e mais do que isso: atenta contra um dos direitos humanos, que é o da autodeterminação dos povos. Mas nem por isso deixará de poder defendê-lo, ao abrigo da liberdade de expressão; outra coisa será afirmar-se que esse indivíduo, cuja condição militar lhe dava um poder que a generalidade dos cidadãos não tinha, foi um traidor à nação, por contibuir para sustentar um governo usurpador e ilegítimo, imposto aos portugueses. Por muito mal que eu possa pensar dele, não me atreveria a dar esse passo, e não só por poder sofrer uma justificada acção penal, mas porque os indivíduos são muito mais complexos dentro de situações também elas complicadas.
Defender tais argumentos só qualifica de ignorante com aleivosias fascistas aqueles que o fazem. Resquícios colonialistas, também.
ResponderEliminar(se bem que Alegre me mexa com os nervos, nos últimos tempos. o que em nada altera a minha posição)
Sim, claro. Isto vai para além da pessoa.
ResponderEliminarO seu Patriotismo, Ricardo, é diferente do deste indivíduo. Não idolatra o Estado (tem até em relação a ele uma saudável desconfiança), não se outorga o direito de dominar outros sobre a pretensa defesa da Portugalidade e do fardo do homem branco que é civilizar os indígenas (enquanto os escraviza e lhes rouba os recursos, pois claro), não declara posse sobre nenhuma terra, nem esta, que compartilha com os seus concidadãos e também com muitos estrangeiros que decidiram cá fazer as suas vidas e só deve obediência à ordem legal democrática e não à pátria. Muito naturalmente para ele, também é um traidor. Mas, contra a pátria desse indivíduo, também eu sentiria orgulho se tivesse tido o percurso de Alegre.
ResponderEliminarComo não o sentir?...
ResponderEliminarAbraço!