terça-feira, abril 30, 2019

lido


«16 de Dezembro. Às 6h da manhã, do posto de observação dos morros, avistam-se ao longe, numa nuvem de poeira, numerosas forças que, trazendo os cavalos à rédea, se aproximam do Calueque, vindas do Sul. Oito minutos depois, a observação reconhece três peças de artilharia e mais cavaleiros em marcha na mesma direcção. Uma patrulha de dragões confirma a nova, -- Franck[e] chegou ao Cunene!» (p. 131)

segunda-feira, abril 29, 2019

vozes da biblioteca

«Até àquele dia de Junho de 1914 nunca fora pronunciado, em Vila Velha e no seu Concelho, o nome de Serajevo.» Álvaro Guerra, Café República (1984)

«Até hoje, e já lá vão muitos anos, nunca vi o mar, embora dele tenha ouvido contar muitas histórias, e, não sei porquê, parece-me que o conheço todo só por causa daquela fotografia.» Alves Redol, Fanga (1943)

«No seu entusiasmo, Lucinda inclinara-se, com o peito muito branco na abertura do roupão.» Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949)

sábado, abril 27, 2019

Da vantagem de um Presidente culto

Leio deleitoso, no último JL, o discurso do Presidente da República na sessão comemorativa do centenário de Fernando Namora, no dia 15 de Abril, na sua Casa-Museu em Condeixa -- evento que desafortunadamente foi ofuscado pela tragédia do incêndio de Notre-Dame. Não sei se o discurso teve mão fantasma, nem isso é muito importante, pois reconhece-se a caneta de Marcelo naquelas palavras, que além disso foram acrescentadas por vários improvisos do orador, reza a notícia; o que me interessa relevar é mesmo uma noção assaz nítida que o PR mostra do património literário português, parcela das mais relevantes do património cultural do país, no seu todo.
A propósito de Namora e da efeméride, o Presidente referiu-se a José Rodrigues Miguéis, Ruben A., Ferreira de Castro, Miguel Torga, Carlos de Oliveira e Vergílio Ferreira -- ou seja, cerca de um terço do cânone ficional português do século passado --, a que juntou os norte-americanos John Steinbeck e Erskine Caldwell, e Óscar Lopes, como referência de autoridade.
Não é um ensaio, que seria descabido, mas um discurso de circunstância. que não deixa de ser reconfortante em face do zero das elites políticas, com as honrosas e parcas excepções. E porquê reconfortante? Por se esperar que o Presidente não seja apenas a muralha contra o populismo de que falou Ferro Rodrigues, mas também contra a barbárie instalada que não conhece, e portanto não quer saber do património cultural em sentido lato, a não ser que o mesmo lhe possa dar umas medalhinhas da Unesco para trazer à lapela (que podiam ser essas como as do Guiness, tanto faz, desde que em estrangeiro).

vozes da biblioteca

«A vila, cercada de seus muros e torres.» Mário Avelar, Seduções do Infante (1995)

«Agradeciam quando eram os filhos das outras a morrer, / não os delas, mesmo que os filhos das outras / tivessem sido assassinados pelos seus próprios filhos.» Ana Luísa Amaral, Escuro (2014)

«E tudo se resumiu à evidência do pó.» José Agostinho Baptista, Agora e na Hora da Nossa Morte (1998)

Sempre

Maria Helena Vieira da Silva

terça-feira, abril 23, 2019

aviõezinhos

Parece que, na semana passada, o deputado do PAN interrogou António Costa sobre a possibilidade de o aeroporto de Beja ser alternativa ao 'Portela+1'. Parece que o chefe do Governo não respondeu, ou terá respondido afastando a hipótese sem mais. Esteve mal, pois o que se quer de um governante, entre outras coisas, é que veja para além da conjuntura.
Não me apetece nem tenho tempo para tecer considerações, necessariamente parcelares, sobre a insistência numa solução arranjada à pressa, que não só mantém os riscos para os residentes em Lisboa e concelhos limítrofes, como os acrescenta e que será uma catástrofe ambiental irremediável. A Zero está em campo desde o início, e ainda bem. A sua avaliação é demolidora: «Todo este processo tem sido pautado por uma flagrante falta de transparência por parte do Governo, mesmo com sonegação de informação, e não permitindo qualquer escrutínio por parte de terceiros, sejam os cidadãos ou mesmo outras entidades públicas, precisamente o inverso daquele que é o espírito da lei, que pretende que uma Avaliação Ambiental, seja ela uma AIA ou uma AAE, seja um instrumento técnico de suporte à decisão, no sentido de garantir a melhor decisão possível.»
Mas a resistência não pode ser apenas legalista e institucional, tem de ser de todos, a começar pelos que vão sofrer na pele esta arbitrariedade. E bem me parecia que o povo da Margem Sul não iria fazer figura de rebanho para abate sem estrebuchar. Resistência inteligente, não violenta, de preferência com humor, que é a mais eficaz.
A acção de ontem, levada a cabo pelo até agora por mim ignorado grupo Rebeldes pela Vida, será, certamente, a primeira de muitas destes e doutros cidadãos que se dão ao respeito (as fotos e o filme).
Que ela tenha ocorrido numa sessão de aniversário do PS, mostra bem aquilo em que o PS se tornou; e que nessa sessão, em que dois gorilas engravatados atiram pelo ar o activista que interpelava a assembleia, fosse de justa homenagem a Alberto Martins -- sem querer comparar momentos políticos incomparáveis --, não deixa de ser uma triste ironia.
em tempo: não eram gorilas, mas agentes da PSP - Corpo de Segurança.





LIVRE - fica aí ao lado, até ao dia das eleições


Nota: não sou militante nem candidato a nada, apenas apoio com o meu voto.

segunda-feira, abril 22, 2019

quarta-feira, abril 17, 2019

lido

José Oiticica,


"um conflito entre entidades privadas e os motoristas"

Não faço ideia se os motoristas têm razão ou não; por feitio, pendo sempre para os trabalhadores contra os patrões associados, mesmo quando me lixam o programa da Páscoa, como será o caso.
No entanto, há coisas um pouco mais importantes do que as disputas entre trabalhadores e patrões, e uma delas é o funcionamento do Estado. Por isso, é sem paciência que ouço o primeiro-ministro dizer que a luta laboral em curso se trata de "um conflito entre entidades privadas e os motoristas", o que, não sendo mentira, não chega para um político que se assume socialista. O que deveria dizer é que o país não pode estar à mercê de privados, e que a política tem agir em conformidade.
É um socialismo de caricatura, sem outro rasgo que não seja a conquista e manutenção do Poder, e por isso condenado (a indigência dos cartazes às eleições europeias, tratadas como se fossem legislativas é um eloquente exemplo da falta de rasgo da politicalha aparelhística).  O problema é que para lá dele, PS, a nível macropolítico não há nada, ou o que há -- com excepções de escasso peso eleitoral --, é feio: os partidos à direita são meros títeres dos interesses e do financismo prevalecente; à esquerda, os mortos-vivos do marxismo e os inconsistentes das chamadas políticas de inclusão ["a todos e a todas", e outras parvoíces] -- algumas, só algumas, porém válidas.
Para além disto, um lúmpen primário e silvestre que se alimenta e alimenta a boçalidade mediática,  sempre aproveitada por espertalhões.
António Costa limitou-se a repetir o que Rui Rio disse ontem, com a agravante de ter o menino nos braços.  É pouquíssimo como discurso, e revelador do impasse político e ideológico a que chegámos.

terça-feira, abril 16, 2019

vozes da biblioteca

«À porta dois contratadores apenas, um polícia, e, sentada no último degrau sobre a rua, uma velhota, de tabuleiro à frente, coalhado de quanto há de mais pelintramente indigesto em matéria de doçura, com uma vela protegida por um cartucho de papel cor-de-rosa.» Abel Botelho, O Barão de Lavos (1891)

«Afeito à nudez sebosa das repartições, o recém-chegado abafou uma voz de espanto ao passar a uma saleta cujo requinte no arranjo descondizia com tudo o que vira em tão ingracioso edifício: era uma dependência fofa, não grande, toda de veludos vermelhos, lambris dourados, cristais e móveis reluzentes, onde, pelos reposteiros entreabertos, a luz, que do céu azul ferrete se derramava a jorros sobre a vila, vinha molemente esparrinhar-se num tapete de Arraiolos...» Jorge Reis, Matai-vos uns aos Outros (1961)

«Léguas e léguas andaram, como se fossem retirantes, de fazenda em fazenda, a pedir a um e a outro uma tigela de farinha que lhes matasse a fome, e pés roídos pelos espinhos e olhos fundos de sofrimento.» José Lins do Rego, Cangaceiros (1953)
«[...] o tempo restituiu à igreja, mais talvez do que lhe tirou, porque foi o tempo que espalhou sobre a fachada a sombria cor dos séculos que faz da velhice dos tempos a idade da sua beleza.» Victor Hugo, Notre-Dame de Paris (1831)

segunda-feira, abril 15, 2019

livros que me apetecem

Arquive-se, de Rita Almeida de Carvalho (Fundação Francisco Manuel dos Santos)
Carne Crua, de Rubem Fonseca (Sextante)
Homens de Pó, de António Tavares (D. Quixote)
O Poço e a Estrada -- Biografia de Agustina Bessa Luís, de Isabel Rio Novo (Contraponto)
Voltar a Ler -- Alguma Crítica Reunida, de António Carlos Cortez (Gradiva)

sábado, abril 13, 2019

quinta-feira, abril 11, 2019

vozes da biblioteca

«A terra aguardava em / silêncio a chegada / das betoneiras, dos patos / bravos.» Mário Avelar, Cidades de Refúgio (1991)

«Como é maravilhoso o amor / (o amor e outros produtos).» Carlos Drummond de Andrade, Brejo das Almas (1934)

«Do lixo da esquina partiu / o último vôo da varejeira / contra um século convulsivo.» Carlito Azevedo, Sob a Noite Física (1996)

quarta-feira, abril 10, 2019

livros que me apetecem

A Gun in the Garland, de Madalena de Castro Campos (Companhia das Ilhas)
Escrito(s) a Vermelho, de Voltairine de Cleyre (Barricada de Livros)
Nova Gramática do Latim, de Frederico Lourenço (Quetzal)

no papo:
O Instinto Supremo, de Ferreira de Castro (Cavalo de Ferro)

terça-feira, abril 09, 2019

segunda-feira, abril 08, 2019

criadores & criatura



William Vance, Yves Duval e Howard Flynn



sexta-feira, abril 05, 2019

quarta-feira, abril 03, 2019

vozes da biblioteca

«Chorava em fonte, e as suas lágrimas punham no fogo rijo das duas horas um doce refrigério de orvalhada.» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)

«Desde Abril do ano anterior que a tropa e os comunistas se aproximavam das fachadas dos prédios, erguiam o membro como animais para urinar, e abandonavam nas paredes um mijo de vivas e morras que se contradiziam e anulavam, logo coberto por cartazes de comícios e greves, fotografias de generais, propaganda de conjuntos rock, cruzes suásticas, ordens de boicote ao governo e convites de retrete, dedos de letras entrelaçadas num namoro que o Outono do tempo desbotava.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)

«O Diogo combinara tudo com o mestre-negreiro, dera-lhe uma pepita de ouro, a única que possuía, toda a sua fortuna, escreveu-me, não suportava o Brasil sem mim, eu acreditei e senti-me agradecida, era o dinheiro do nosso futuro que ele jogava fora para me ter consigo, foi isso que fez que eu lhe perdoasse a Briolanja.» Miguel Real, Memórias de Branca Dias (2003)

terça-feira, abril 02, 2019

vozes da biblioteca

«Falamos das cidades / dos homens que de tão sós / as despovoam» Sebastião Alba, «As casas constroem-se de sombra», A Noite Dividida (1993)

«Faz frio, muito frio... / E a ironia das pernas das costureirinhas / Parecidas com bailarinas...» Mário de Andrade, «Paisagem N.º 1», Paulicéia Desvairada (1922) / Os Melhores Poemas de Mário de Andrade (ed. Gilda de Mello e Souza, 1988)

«Não te mudei o nome nem a face / nem permiti que nada transformasse / minha imagem de ti em forma de arte.»  Mário António, «Soneto», Amor (1960)

segunda-feira, abril 01, 2019