Lucien de Rubempré

«A beleza e a juventude podiam esconder nele profundos abismos, como acontece com muitos jovens que querem desempenhar um papel em Paris sem possuir o capital necessário às suas pretensões e que, dia a dia, tudo arriscam para se sacrificar ao deus mais cortejado nesta cidade real, o Acaso.»

Balzac, Esplendor e Misérias das Cortesãs (1838)

criador & criatura



Fran Striker, The Lone Ranger / O Mascarilha / Zorro (no Brasil)


o júbilo de ser tocado pela alegria do mundo
Fernando Jorge Fabião

estampa CC - Max Beckmann


Cena da Destruição de Messina (1909)
St. Louis Art Museum
(fonta)

«Chuá! Chuá!»

«À esquerda, para lá ainda da falda do outeiro, esbranquiçava, por entre a ramagem estática, o casario da aldeia. Desse lado, certamente de debicar os brincos vermelhos das cerejeiras, um gaio vinha, de quando em quando, esconder no pinhal o cromatismo da sua plumagem. "Chuá! Chuá!" E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.»

Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)
Quem olha descontenta
António Gancho

o casarão

«Durante anos foi povoado exclusivamente pelos ratos que o atravessavam em corridas brincalhonas, que roíam as madeiras em portas monumentais, que o habitavam como senhores exclusivos. Em certa época um cachorro vagabundo o procurou como refúgio contra o vento e contra a chuva. Na primeira noite não dormiu, ocupado em despedaçar ratos que passavam na sua frente. Dormiu depois algumas noites, ladrando à Lua pela madrugada, pois grande parte do teto já ruíra e os raios da Lua penetravam livremente, iluminando o assoalho de tábuas grossas. Mas aquele era um cachorro sem pouso certo e cedo partiu em busca de outra pousada, o escuro de uma porta, o vão de uma ponte, o corpo quente de uma cadela. E os ratos voltaram a dominar, até que os Capitães da Areia lançaram as suas vistas para o casarão abandonado.»

Jorge Amado, Capitães da Areia (1937)

sábado, dezembro 26, 2015

o meu amor é a aquisição de uma técnica
Manuel de Castro

olhar a Ponte de Brooklyn em 2114

«Ela conseguira, de algum modo, ampliar-se durante o longo século que permanecera esquecida por todas as outras pessoas. Muitos dos cabos verticais tinham-se partido e a imensa estrutura acobreada, coberta de ferrugem e verdete, lembrava uma harpa reclinada, que tocara a sua última canção ao mar indiferente.»

J. G. Ballard, Olá, América! (1981)

estampa CXCVIII - Parmigianino



Auto-Retrato num Espelho Convexo (c. 1524)
Museu de História de Arte, Viena



o espírito do Natal em Belo Horizonte (1937)

«Todos os passageiros do bonde Calafate me sorriam. Certamente sorriam, desejando-me um largo "saúde e fraternidade". Como se mostravam ansiosos, rápidos, denunciando pressa de chegar a casa, carregados de embrulhos, onde adivinhei variada matéria-prima para as comemorações domésticas do Natal! A humanidade se transfigura de súbito, neste dia extraordinário. Que elemento se introduzirá na essência das coisas para que tudo venha, assim, apresentar uma face nova e desconhecida, e para que todos os seres ganhem uma expressão especial, quase graciosa, de agitada felicidade?»

Cyro dos Anjos, O Amanuense Belmiro (1937)

quarta-feira, dezembro 23, 2015

a estupenda morena dos olhos envolventes

«Depois iria até ao jardim, sentar-me no banco do costume. Por volta do meio dia era natural que passasse a estupenda morena dos olhos envolventes... Ah, aqueles olhos não fitavam: absorviam! E que maravilha de curvas, desde o artelho até ao colo! Hoje havia de segui-la para saber quem era. Estudante, não pertencia decerto à classe dos impostores, que tanto se orgulham da sua ignorância como da sua estirpe. E no entanto, que "linha" no gesto e no andar! Nobreza natural: a verdadeira, a única!»

Francisco Costa, Cárcere Invisível (1949) 

segunda-feira, dezembro 21, 2015

domingo, dezembro 20, 2015

o voo do pinhão, segundo Aquilino

«Precipitado de tão alto do pinheiro solitário, balançou-se num instante e ensaiou um voo oblíquo. A meio caminho volteou, rodopiou, viu as nuvens ao largo, a terra em baixo e, saracoteando a fralda, desceu em espiral. Poisou em cima duma fraga, ligeiro como um tira-olhos. Mas novo pé-de-vento atirou com ele para a banda, quase de escantilhão, e a aleta, tomando-se de imprevisto fòlego, arrebatou-o para mais longe. Foi cair numa mancheia de terra, removida de fresco pelos roçadores do mato, e ali permaneceu à espera que a pancada de água ou calcanhar de homem o mergulhar no solo, dado que um pombo bravo o não avistasse e engolisse.»

A Casa Grande de Romarigães (1957)

se tivesse de escolher só uma música



Na verdade, não seria esta, mas o «Fado Arnauth», que desapareceu do YouTube... Mas este fado de Encantamento (2003) encarna muito bem a personalidade fadista da cantora -- a letra, da sua autoria, é eloquente. O dueto com Mónica Ferraz funciona. 
Foi com Mafalda Arnauth, até pela carismática presença física (as fotos, em baixo, foram bem escolhidas) que eu despertei para o fado.

sexta-feira, dezembro 18, 2015

cheira melhor

Realmente, o país político está mais são. Depois da varrição da direita minoritária, golpista e tonta, areja-se as instituições da merda do bloco central da baixa cozinha dos lugares. O Conselho de Estado tem, finalmente, uma representação parlamentar decente.
Hoje é um dia reservado ao veneno
António José Forte

terça-feira, dezembro 15, 2015

a entrevista de Sócrates, em duas penadas

1.ª parte: deixou o Ministério público pelas ruas da amargura com a história da ausência de investigação junto do Grupo Lena; com o episódio do mail enviado de Paris (já se sabia) e do telefonema do advogado, informando que o cliente estava disponível para ser ouvido. O problema é que o Ministério Público não goza de qualquer credibilidade, pois, por culpa própria ou vítima colateral de acções de outrem, estava já conspurcado, desde o início do processo, com as fugas de informação para a imprensa (não por acaso) popular. É uma nódoa que não sai.
Não concordo com Sócrates quanto a um objectivo dissimulado de prejudicar o PS; vou mais, como outros, para a pulsão justiceirista, por um lado; e, por outro, para o oportunismo de alguns agentes judiciários, pois parece evidente que a investigação, aquando da detenção, era incipiente. E a proverbial ausência de meios não justifica tudo 
Fala-se muito do caso Madoff, preso, acusado e condenado em alguns meses. O que não se diz é que, a montante, existiram anos de investigação, por forma a que a acção não se assemelhasse a este fiasco da chamada Operação Marquês.Vamos supor que Sócrates possa ser um criminoso, um corrupto, etc. Homem poderoso, inteligente e de vastas relações, ex.primeiro-ministro por seis anos, tudo isso obrigaria a que nada pudesse falhar nesta operação. Em vez disso, amadorismo (a estória de Angola é de bradar aos céus!), saloiice, tristes figuras.
Na parte exibida hoje, embora tenham ficado assuntos por abordar (das supostas entregas em dinheiro vivo, à cena macaca da compra do seu livro pelos amigos para figurar no top de vendas -- um fait-divers, concedo --), a relação de amizade com Carlos Santos Silva pareceu-me, no geral, convincente.
Em relação ao início do processo, as coisas parecem estar a correr melhor a Sócrates, e pior ao Ministério Público.

uma criatura

Sobre a entrevista de Sócrates, vou pronunciar-me no fim. Para já, uma nótula a propósito duma criatura que parece ser do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Depois de refutar as acusações do antigo pm, no que está no seu papel, sai-se o indivíduo com uma declaração que vou reproduzir de memória: o responsável por esta situação é o José Sócrates, pois se não tivesse cometido os ilícitos que cometeu, etc., etc.
Então, para além da forma sebenta como se expressa, o artista já dá o Sócrates como acusado -- para não dizer culpado? Continuem, que estão a fazer um grande trabalho.

Deus ou o Diabo

«Vinho branco, como branco é o nosso luto.
Vinho tinto como tinto é o nosso sangue.
Bagas negras, como negra é a foice da morte que cobrirá o chão da vila, como as parras e os cachos cobrem as cepas.
As vindimas que faríamos fa-la-ás tu, Senhor, e serás tu ou o demo quem beberá o seu sumo, e serás tu ou ele quem beberá a minha alma.
Tu ou o demo.»

Sérgio Luís de Carvalho, Anno Domini 1348 (1990)

domingo, dezembro 13, 2015

se eu tivesse de escolher só uma música

Das seis músicas que encontrei no YouTube (faltam cinco deste The Acoustic, de 1993), esta faixa inicial, «The Lone Rhinoceros», impôs-se-me, pela graça e pela melancolia. Notável trabalho da guitarra, a ilustrar a canção. Recordo que Adrian Belew é um excelente guitarrista, cujo trabalho nos King Crimson é reconhecível. O que, como já escrevi, num grupo que tem Robert Fripp como guitarrista principal, não deixa de ser assinalável.

sexta-feira, dezembro 11, 2015

O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado à morte!
Mário Cesariny

terça-feira, dezembro 08, 2015

O bom dinossauro


A Viagem de Arlo, de Bob Peterson e Peter Sohn (EUA, 2015). Quando despertei da soneca que os filmes para os meus filhos me provocam, já Arlo tinha encontrado Spot. Uma história ternurenta numa das mais infantis produções da Pixar, o que não tem nenhum mal. Aliás, Arlo e Spot vêm acrescentar algo ao já copioso universo das personagens para crianças. 


domingo, dezembro 06, 2015

a gente só nasce / quando somos nós / que temos as dores.
Natália Correia

sábado, dezembro 05, 2015

sexta-feira, dezembro 04, 2015

e vai-se criando uma expectativa

«O homem cruzou a praça devagar, entrou no Café Atlântico e sacudiu as botas com cuidado no capacho de arame. Sentou-se, pediu um brandy e engoliu-o dum trago. Na sua lentidão natural era a única coisa que fazia com alguma pressa.»

Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva (1953)

quarta-feira, dezembro 02, 2015

criador & criatura


Hal Foster e Prince Valiant / Príncipe Valente