quinta-feira, agosto 22, 2019

que fazer com o Salazar? (com adenda)

O Salazar só me lembra coisas que detesto: primeiro, a manha da conservação do poder; depois: pobreza, pide, missas, bufos, censura, colonialismo e atraso, moral e mental, do povo, que ainda estamos a pagar. 
Museu sobre Salazar em Santa Comba Dão? Um museu tem critérios. Se eles se verificarem -- existem regulamentos para tal. Não faço ideia dos critérios da câmara do sítio, para além do centro interpretativo (palavras da moda, como curadoria e outras). Espero que haja massa crítica para que aquilo não seja um santuário, com venda de pagelas bentas do santinho, nem redunde na mostra do penico do Salazar numa caixa acrílica -- mas nunca se sabe.  Tem bom remédio, porém: vá à universidade, Coimbra, ali perto, ou outra, e se quer fazer coisa séria, convide-a para parceira no delinear de um projecto e coordenação, e com isso mata o assunto.
Goste-se ou não, o Salazar governou este país durante quarenta anos. Foi, portanto, um dos homens que mais o influenciou, em quase nove séculos, que é o tempo que já levamos disto. A sua terra lembrá-lo -- agora, ontem, daqui a vinte anos -- é uma inevitabilidade, e pode fazê-lo bem, criticamente, ou não. Mas nesse caso já não será um museu. O que sempre me irrita são os activistas do costume (ponho de lado os antigos presos políticos) disfarçados de historiadores e cientistas sociais (oh...) a descabelarem-se em abaixo-assinados no facebook, tudo tão pequeninamente miserável e reles...

Adenda: entretanto fiquei a saber - e já poderia sabê-lo se tivesse consultado o sítio da CM de Santa Comba Dão, que o projecto está a ser coordenado pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da U. Coimbra, o que assegura toda a fiabilidade do projecto. Parabéns, pois, à CMSCD.

Adenda 2: esta conversa liga-se à "Questão dos Descobrimentos", em que mais uma vez se mostra  a farsa intelectual veiculada por ideólogos travestidos de historiadores e afins.

5 comentários:

PNLima disse...

É engraçado que chegada hoje ao trabalho, um colega estava precisamente a falar neste assunto e na discussão que tinha tido no dia anterior com o filho ao jantar, ele a favor, o filho contra.
Se contarem a história toda, como ela foi, vale a pena. Se for para glorificar, aí não. Como diz, no século passado, 40 anos foram sob a governação de Salazar, é história.
No entanto, não posso deixar de me lembrar do professor de Geografia Histórica, no ISCSP, que saltava alegremente de 1579 para 1641, como se aqueles anos nunca tivessem existido em Portugal :-)
Bom dia

PNLima disse...

Adenda: abaixo-assinados facebookianos são tristes, bem tristes, seja qual for o assunto.

R. disse...

É isso mesmo, Paula. No fundo, o que se pretende, pelo menos alguns, é que se finja que não aconteceu. Uma pecha e um velho entorse intelectual.
Cá por casa também há debate entre pais, a filha mais nova a assistir -- e esperemos que a ser estimulada para ela própria tirar as suas conclusões, quando for caso disso...

Jaime Santos disse...

Eu gostava que se criasse, isso sim, um museu sobre o Estado Novo, não apenas sobre a repressão, que esses já existem. Mas um em que, como disse a Paula acima, se contasse tudo, desde os anos de chumbo de 30, passando pela maestria com que Salazar manteve Portugal fora da guerra, como uma vez disse o insuspeito Jorge Sampaio (e me foi confirmado por um Judeu Francês perseguido pelo Nazismo), pela liberalidade com que uma ditadura supostamente fascista deixou trabalhar as organizações de apoio à fuga de Judeus para os EUA mau grado o caso Sousa Mendes, pelo atraso científico e cultural, pelas opções económicas do pós-guerra, incluindo a recusa de instalação de energia nuclear em Portugal e o investimento nas hidroelétricas (a que devemos parte da geração renovável atual, pois, pois), pelo racismo nas colónias e pela inevitável guerra colonial e pelo fim do Império.

E podem chamar-lhe o que quiserem. A mesma coisa em relação aos Descobrimentos, desde que esteja lá tudo...

Agora, sinceramente se assim for, mais depressa vejo a Esquerda a aceitar tal coisa do que a Direita, que teve responsabilidades ou diretas ou por simplesmente ter ficado calada durante todos esses anos...

R. disse...

Jaime, exactamente. E, museu, o centro interpretativo, ele está nas mãos certas. Não atender a isso, é sinal de que ou se quer propaganda, e isso não é História, ou se pretende pôr uma pedra no assunto, como se isso fosse solução, como se o passado se compadecesse das paixões humanas, por muito justas -- estou a pensar nos perseguidos.