terça-feira, março 31, 2015

Falta-me extremamente a paciência para esta conversa do Agualusa

Num blogue duma amiga brasileira, leio um excerto duma crónica de Agualusa no Globo:
"A verdade é que ainda persiste em Portugal uma certa saudade imperial e, sobretudo, uma enorme ignorância no que diz respeito à história do próprio idioma. É sempre bom recordar que antes de Portugal colonizar a África, os africanos colonizaram a Península Ibérica durante oitocentos anos. A língua portuguesa deve muito ao árabe. A partir do século XVI, com a expansão portuguesa, a língua começa a enriquecer-se, incorporando vocábulos bantos e ameríndios, expressões e provérbios dessas línguas, etc.. A minha língua é esta criação coletiva de brasileiros, angolanos, portugueses, moçambicanos, caboverdianos, santomenses, guineenses e timorenses. A minha língua é uma mulata feliz, fértil, generosa, que namorou com o tupi e com o ioruba, e ainda hoje se entrega alegremente ao quimbundo, ao quicongo ou ao ronga, se deixando engravidar por todos esses idiomas.”
Passando ao largo da banalidade do texto (acredito que um leitor médio do Globo tenha uma noção desse percurso histórico da língua) e da literatice delicodoce ("A minha língua é uma mulata feliz", etc.), não só não me reconheci na prosa como me perguntei se seria o mesmo Agualusa que foi jornalista do Público, viveu muito anos em Portugal (onde creio que mantém residência), faz parte dos círculos literários portugueses, vai regularmente às televisões e às rádios -- ou se seria um outro Agualusa que nunca tivesse passado os limites do Huambo.

Fui ler a crónica aqui. Tem que ver com o Acordo Ortográfico, uma controvérsia que parece cansá-lo. Agualusa pega num exemplo de um desqualificado qualquer que há anos, num colóquio, gritou salazarentamente o impropério: "a língua é nossa", e a partir daqui lança-se ao alegado saudosimo colonial que "ainda persiste em Portugal". Um leitor brasileiro que pouco mais saiba de nós do que as anedotas de português e do bigode, estará autorizado a pensar que esse saudosismo identificado por Agualusa é um, digamos, sentimento que em Portugal tem expressão. Ora isso é tão estúpido como eu dizer que em Angola persiste um sentimento de inferioridade  de país colonizado -- é inconcebível.

Agualusa conhece muito bem Portugal para saber destrinçar a vox pop ignara das pessoas que usam, trabalham e estimam a língua. Sabe que a esmagadora maioria dos escritores e dos intelectuais portugueses é contra o "Aborto Ortográfico" não por saudosismo imperial, mas pelos danos que ele provoca à própria língua. José Saramago e Vitorino Magalhães Godinho eram contra o AO por nostalgia imperial? António Lobo Antunes ou José Pacheco Pereira são contra o AO por isso e também por "enorme ignorância no que diz respeito ao idioma? Os editorialistas do Jornal de Angola, lúcidos opositores do AO, fazem-no por mentalidade de colonizados?... 

Apontemos os defeitos todos, antigos colonizadores, ex-colonizados, mesmo com banalidades e kitsch tropical, mas não seria mau fazê-lo de boa-fé e com honestidade intelectual.

segunda-feira, março 30, 2015

A BARCA DOS AMANTES



A posteridade de H. H.

Não me refiro à posteridade literária, como é óbvio, à perenidade da obra, ao lugar que ela ocupa na poesia. Se tivesse de fazer o difícil exercício de congeminar uma lista com meia dúzia de nomes dos, para mim, maiores poetas da segunda metade do século XX, Herberto Helder faria parte dela, com Alberto de Lacerda, Alexandre O'Neill, António Ramos Rosa, Rui Knopfli e Ruy Belo -- e teria de deixar de fora muitos que me assombram..
A posteridade a que me refiro é outra, a patrimonial e identitária. Percebo perfeitamente o apelo do seu filho, Daniel Oliveira, para que não desatem os poderes públicos ou particulares a homenagear o poeta, com nomes de rua, estátuas e bustos, etc. Guardado porém o decoro temporal necessário para não violentar quer a memória de Helberto Helder, quer a legítima vontade dos seus descendentes, não creio que ele tenha possibilidade de ser acatado.
Os grande autores não se pertencem, é uma banalidade escrevê-lo. E se cada cada vez menos se pertencem em vida (é ver a poesia de HH espalhada por blogues e pelas "redes sociais"), muito menos depois de ela findar. E ainda bem que assim é. Não há como não preservar e assinalar, por exemplo, a casa onde o poeta nasceu e aquela em que morreu (a Rua do Mercado, nº 7, em Cascais). E quem diz estes vestígios palpáveis da memória dele (e, de há muito, nossa), diz outras manifestações inevitáveis que a comunidade imperiosamente não pode deixar de promover.
Como pedir à Madeira que deixe o seu maior poeta entregue apenas aos seus livros? É, entre outras, uma questão de sobrevivência da própria comunidade.

sábado, março 28, 2015

do mal

A maldade é uma das coisas que mais temo. Normalmente subreptícia, cobarde, inconfessável ou camuflada sob a forma de afabilidade, causa danos tanto mais fundos quanto mais desprevenidos estamos em relação a ela e aos seus agentes.
Abro o jornal e deparo-me com manifestações da maldade que cai sobre os incautos, qualquer um de nós: um progenitor que denuncia falsamente outro para guardar para si a custódia exclusiva dos filhos; energúmenos que armadilham pistas de btt para a diversão de ver alguém partir o pescoço; gestores de conta bancários que traem a confiança de cliente de anos, desviando-lhes as poupanças e deixando-os na miséria; um desvairado que sacrifica cento e cinquenta vidas, atirando um avião contra uma montanha.
É vasto o catálogo do mal.

BLOWIN' IN THE WIND



sexta-feira, março 27, 2015

o livro de Sócrates

Ainda não o li (outras prioridades...). Quanto à nova suspeita vinda hoje a público -- a de que não seria ele o verdadeiro autor, mas um ghost académico --, ela é de todas a mais fácil de impugnar pelo próprio. Ninguém escreve um livro, muito menos uma tese, sem esboços, esquemas, redacções provisórias, etc., etc.
Como também nenhum autor se desfará de tudo o que levou à realização de uma  obra, muito menos da primeira, creio, aguarda-se um irrefutável desmentido.

travo camiliano

«As tavolagens conheciam-no mais do que os indivíduos espancados no mistério das noites, pois a capa negra e o sombreiro desabado lhe ocultavam o rosto e os olhos fascinadores das atraídas. Jogava como um perdido, desde as tabernas das Portas do Mar, onde a maruja disputava as moedas baixas com as pontas das facas, até às partidas íntimas dalgum fidalgo em termos de se divertir ganhando ao plebeu o oiro cujas origens não se rebuscam, pois é sempre nobre pelas efígies que consagram.»

Rocha Martins, O Drama de Santa Engrácia (s.d.)

quarta-feira, março 25, 2015

AFTER YOU'VE GONE



10 anos de Abencerragem

Isto faz hoje dez anos. Não me desviei muito do que me propus fazer no post inicial. "Um blogue preguiçoso", caracterizei-o um pouco mais tarde, por ser verdade. Raras vezes brilhante, medíocre mais do que seria desejável, mas sempre esforçado na satisfação de um prazer que é em mim quase vício: o de mostrar e falar daquilo de que gosto mesmo ou o que me apetece ver ou ouvir no momento. O gozo tem sido total, espalhando-se por uma infinidade doutros pequenos blogues. Não é para mudar, prometo. Melhorar, aos cinquenta anos, já me parece difícil. Refinar, talvez. Ou isso, ou sempre a piorar.  (E para que tudo fique bem peneirado, inicio noutra plataforma o exercício narcísico de juntar o que ao longo dos anos foi só da minha lavra, como se se tratasse de um diário). 

R.A.A.

terça-feira, março 24, 2015

estampa CXCI - Kazimir Malevich


Aviador (1914)
Museu Estatal Russo, São Petersburgo

Ainda ontem.

Passar diariamente pela casa de Herberto Helder sem nunca o ter visto. Dizê-lo aos meus filhos uma e outra vez. Uns leram-no, outros não.
Guardar uma bela carta sua, de cujo motivo não me orgulho, e ainda menos da resposta que enviei.
Escrever um breve texto sobre, numa antologia, de que não me envergonho (do texto e da antologia), pese embora as inevitáveis banalidades a que tentei escapar, talvez com êxito, talvez não (precisaria de relê-lo).

Tudo isto vai estar cheio de obituários de HH, dos  substantivos aos inócuos. É da natureza das coisas.
Quero guardar a admiração e o respeito, o silêncio de bronze. Por isso nem lhe ponho o nome a titular o post.

A verdade é que ainda ontem me lembrei daquela carta.

segunda-feira, março 23, 2015

por detrás das grades

«Agora olhava-as estremecendo ainda de inquietação -- mas já lhes não queria mal. Desejava-lhes o corpo e sonhava ver-se livre, não somente da prisão, mas livre lá fora, como sempre ambicionara. O que o impedia estava desfeito: a família abandonara-o.»

Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943)

AFRICAN CHILDREN



A favor de novas mesquitas

Leio no DN que a comunidade muçulmana pretende construir novas mesquitas, em Lisboa e na sua área metropolitana, e também no Porto.
Como defensor da liberdade individual, que inclui a de culto, sou a favor dessas novas edificações, por várias razões, uma das quais é a de permitir a alguns milhares de imigrantes praticarem a sua fé, num contexto de ausência e saudade da terra, da família, dos amigos.
Não ignoro alguns dos potenciais problemas que o Islão traz às nossas sociedades liberais e democráticas, porque, por muito que os líderes muçulmanos tentem separar o radicalismo da religião, a verdade é que o islamofascismo repugnante e incompatível com a nossa sociedade é uma derivação do Islão, e tem financiamento de países pouco recomendáveis como a Arábia Saudita.
Seria, no entanto, estúpido que o Estado, estribado nesse medo, levantasse inultrapassáveis entraves burocráticos -- como só o Estado sabe criar -- para impedir a concretização desse anseio. E por várias razões:
1) Estigmatizar toda uma comunidade por causa de uma minoria radical, perigosíssima, embora, seria injusto e contraproducente;
2) Permitir que os muçulmanos exerçam o seu culto nas melhores condições, a exemplo dos cristãos ou dos judeus, além de ser humanista e justo, tem várias vantagens:
2.1) Exercer uma pedagogia sobre a indesmentível superioridade dos sistemas liberais que permitem a liberdade religiosa por contraponto à inaceitável proibição e perseguição que vários estados islâmicos exercem sobre cristãos e crentes noutras religiões, já para não falar dos ateus;
2.2) A sociedade e o Estado, dando todas as condições de igualdade aos muçulmanos, nacionais ou imigrantes, tem a autoridade moral e política de exigir a essa comunidade não apenas o respeito pelas leis e pela cultura do país, como responsabilizá-la pelo controlo e denúncia às autoridades de todos os episódios de desvio que possam surgir no sentido da radicalização islamita, que deve ser reprimida, dentro da Lei, com uma severidade que não deixe a ninguém margem para dúvidas quanto à intolerância da comunidade portuguesa e do Estado para comportamentos e práticas aberrantes, seja apelo ao terrorismo ou a vergonhosa excisão genital feminina.
Em resumo, a guetização é imoral e pouco inteligente; e, ao contrário do que se possa pensar, a criação de espaços de culto dignos desse nome, apenas contribuirá para uma melhor integração e conforto destes cidadãos na sociedade em que todos têm lugar. O resto é caso de polícia, de serviços secretos e do bom senso que tem caracterizado a comunidade islâmica portuguesa e os seus líderes. 

detritos

O processo Sócrates não levanta apenas as questões de cidadania que têm sido dirimidas ao longo dos últimos meses, como está exposto neste artigo do advogado Rui Patrício (Câmara Corporativa: Manual da investigação preguiçosa e eficiente).
Para mim, que sou um gajo preconceituoso, há uma outra questão: a insuportável boçalidade do país, das elites, do povo, agravadas pelos 48 anos de paternalismo autoritário. Tenho uma repulsa institntiva por gente sem maneiras (ou melhor, por gente que não sabe usar a falta de maneiras, que por vezes é também um recurso interessante). E quanto mais subiram na escala social, mais repugnância me suscita quem não sabe mastigar de boca fechada ou eximir-se a partilhar com o público a vidazinha particular, a começar pelo vociferar ao telemóvel.
Por isso, independentemente dos problemas jurídicos, não se admite um acórdão subscrito por juízes desembargadores com recurso a anexins, coloquialidades e pontuação desbragada, como um largo salpicar de detritos de mosca nas laudas emanadas da Relação.

domingo, março 22, 2015

Padre Porfírio

«Sério sem ser austero, inteligente e ponderado, com instrução mais suculenta do que a água chilra oficial, era Pe. Porfírio muito cioso da sua dignidade e incapaz, por temperamento e educação, de ceder a um mau passo. Atraente e insinuante, de gentileza varonil que tanto podia provir da harmonia das proporções como da correcção de maneiras. Pe. Porfírio sentira-se mais duma vez soçobrar em românticas crises de amor solapado, com tentações de estrangular os votos nas tiras da batina e morder àvidamente o fruto proibido. Mas passada a febre, o sangue arrefecia e o bom senso triunfava.»

Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

quinta-feira, março 19, 2015

uma suave aguarela

«Descendo a escada que dá para o refeitório, Amaro leva no pensamento uma suave aguarela: Clarissa sob a chuva de flores numa manhã de sol.»

Erico Veríssimo, Clarissa (1933)

Dia do Pai























Na Feira do Livro do ano passado, à cata de livros baratuchos.
Foto da minhe filha Joana.

quarta-feira, março 18, 2015

da coragem

«Não foi um falhado porque teve a coragem de se despedaçar.»

Mário de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio (1914)

AMAZING



Israel na encruzilhada

Ao contrário do pode parecer, Netanyahu é um líder fraco que que faz fraca a forte gente de Israel. A sua falta de escrúpulos na manutenção do poder, lançando mão de todos os artifícios, instilando o medo na sociedade, minando a relação sólida com o aliado americano, imiscuindo-se na política interna deste e sendo tratado com o merecido desprezo pela presidência dos Estados Unidos, fazem temer o pior. Netanyahu é um vírus ou um cancro que lentamente vai minando os fundamentos daquela sociedade democráticva outrora forte.
Só os fortes podem negociar e ceder, em nome de um bem maior. No caso de Israel, esse bem não é apenas a paz, mas a própria sobrevivência do Estado. O drama recente do país, com o assassínio de Rabin e a doença incapacitante de Sharon, afastou do poder aqueles que tinham a coragem e a autoridade, tanto moral como política, para fazer essa paz. É uma autoridade política e moral que têm Livni e Herzog. Ao acobardar-se e deixar-se manipular, os israelitas deram mais um passo no seu enfraquecimento insustentável. É que, ao contrário destes, os palestinos já perderam tudo e, portanto, só têm a ganhar. 

terça-feira, março 17, 2015

estampa CXC - Caravaggio


Eros Triunfante (c. 1602)
National Gallery, Londres

25 MINUTES TO GO



Os espermatozóides não fecundantes vão para o Céu?

Não tenho uma posição definida sobre a maternidade de substituição ou de aluguer, tema hoje em debate no Prós & Contras, RTP1, mas acho insuportável o farisaísmo beato daqueles que se opõem por motivos religiosos, nunca tendo a hombridade de assumi-los. 
Porque sabem que a sociedade não toleraria uma imposição condicionada pela igreja portuguesa. (Isto ainda é o país que extinguiu as ordens religiosas; isto ainda não é o estado islâmico.) 
Por isso, estes hipócritas agarram-se a argumentos jurídicos (até já invocam a nefanda Constituição...), pseudo-éticos, pseudo-científicos e tentam impô-los à sociedade, porque não têm a coragem de dizer "isso é pecado", a religião não permite. E ainda bem que não têm, ou ainda pareceríamos o Brasil dos pastores
Eles tentam disfarçar, mas são mal sucedidos: interpelado um casalito, ela admitiu omnisciência (!) nestas matérias; e ele foi mais atrás, à reprodução medicamente assistida, chamando Manuel, Joaquim e sei lá que mais aos espermatozóides que, não sendo o que irá fecundar o óvulo, se perderão... São estes os cromos despachados directamente das sacristias para os programas de televisão. 
Filhos, façam bebés (eu fiz quatro), vão-se confessar depois da pívia clandestina, empanturrem-se de hóstias, mas desamparem, não tenho paciência para ouvir as vossas histórias da carochinha.

segunda-feira, março 16, 2015

só para lhe merecer uma saudade

«Solteira, homem que por desgraça a fitou quer ser um Romeu; casada, não faltariam Werthers que rebentassem o crânio para lhe merecer uma saudade.»

Álvaro do Carvalhal, Os Canibais (póstumo-1868)

DOWN TO THE WATERLINE



1 parágrafo

«Quando esgotou o stock de feltros e a paciência, o chapeleiro Augusto Fernandes fechou calmamente a porta do estabelecimento onde passara a maior parte dos seus 64 anos e foi instalar-se em casa do genro José Castro, o Século, onde comia discretamente por três, bastando os dedos de uma só mão para contar as palavras que proferia diariamente.»

Álvaro Guerra, Café Central (1984) 

sábado, março 14, 2015

criador & criaturas


Milton Caniff & Terry e os Piratas

Rodrigo Leão & Camané, «Vida tão estranha»

da manha

«Era o luxo do sineiro, aquele badalar doloroso que fazia chorar, asseveravam as  velhas de Aldebarã, deitadas por terra e a rojarem-se de joelhos, ao lado do carro funerário, para que o patrão as visse bem.»

Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)

sexta-feira, março 13, 2015

AQUARELA DO BRASIL



casos e casinhos: ou o conhecido gangsterismo pollítico volta a contratar garotos de programa

Isto anda abaixo de cão. Um mail enviado para um local de trabalho, sem destinatário específico, cujo remetente é uma coisa que se autodesigna como "Direita Política". Alvos: António Costa, pois claro, mais Sócrates, Pedroso, Santos Silva, etc.
A coisa é tão canhestra que se percebe que o público-alvo é aquela faixa desgraçada das revistas de mexericos, dos futebóis, das casas dos segredos e selvajarias semelhantes.
Uma amostra:
     «Será por isto que Sócrates pode movimentar 398 milhões em offshores e Costa pode praticar o tráfico de influências, enquanto um cidadão normal como Pedro Passos Coelho não pode atrasar-se a pagar 2 mil euros de IRS? Uma coisa é certa, é para este investimento público que os socialistas dizem que o Estado têm que estar em tudo e, por isso, têm de cobrar altos impostos a quem trabalha, produz e faz mexer a economia»...
Continua-se, a detecta-se português do Brasil, à menino guerreiro. Como se por cá não houvesse prostitutos em quantidade suficiente para transformar a política em achincalho. 
Lixo, lixo, lixo, e eu sem paciência nenhuma...

querem sangue

Li na intrigalhada política que haverá um certo desconforto com a prestação de Ferro Rodrigues como líder parlamentar. Acredito. Ferro é demasiado senhor e tem estofo político (e profissional) que não se pode medir com certos flausinos das primeiras bancadas -- habilidosos de más maneiras e focinho a condizer -- para entrar em peixeiradas.


quinta-feira, março 12, 2015

caderninho: T. S. Eliot

«Num soneto perfeito, o que admiramos não é tanto a habilidade do autor em se adaptar ao padrão, como o engenho e poder com que ele amolda o padrão àquilo que ele tem para nos dizer.»

«A música da poesia» 

quarta-feira, março 11, 2015

Papai

«Papai, quando vinha da fábrica, me fazia sentar sobre os seus joelhos e me ensinava o abc com a sua bela voz. Era delicado e incapaz, como diziam, de fazer mal a uma formiga. Brincava com mamãe como se ainda fossem namorados. Mamãe, muito alta e muito pálida, as mãos muito finas e muito longas, era de uma beleza esquisita, quase uma figura de romance. Nervosa, às vezes chorava sem motivo. Meu pai tomava-a então nos braços fortes e cantava trechos de músicas que faziam com que ela sorrisse.»

Jorge Amado, Cacau (1933)

FANTASY



terça-feira, março 10, 2015

prendas de João Valério

«Ora ali estava aquela viúva antipática, podre de rica, morando numa casa grande como num convento, só se ocupando em ouvir missa, comungar e rezar o terço, aumentando a fortuna com avareza para a filha de Nicolau Varejão. E eu, em mangas de camisa, a estragar-me no escritório dos Teixeira, eu, moço, que sabia metrificação, vantajosa prenda, colaborava na Semana de padre Atanásio e tinha um romance começado na gaveta.»

Graciliano Ramos, Caetés (1933)

segunda-feira, março 09, 2015

AFTER YOU'VE GONE



o que chamaremos às calinadas do Junker? "junkerismos"?, "junkeradas"?...

Lê-se por aí que o bonacheirão Juncker idealiza um exército europeu, por forma a mostrar à Rússia que a "Europa" não brinca quando se trata de defender os seus princípios. Ora, a "Europa" pelo menos desde Jacques Delors que deixou de ter princípios; tem, ao invés, burocratas e financeiros a granel. 
O inefável Juncker, que diz uma coisa e o seu contrário em menos tempo do que a Terra demora a girar à volta do Sol, crê no absurdo de que qualquer país, com política externa e políticos dignos desse nome, iriam pôr-se, angelicos, debaixo da asa da Alemanha -- a mesma Alemanha que está a arranjar um trinta-e-um à "Europa", da qual se serve para disputar vantagens geopolíticas com a Rússia -- a mesma Alemanha que, dominando a União Europeia a terá já destruído.
Não sei se deva dar razão ao circunspecto comentador da "Quadratura do Círculo", quando aludiu aos entusiasmos pós-prandiais do divertido luxemburguês.

domingo, março 08, 2015

em terras de John Bull, precise-se

«E acolheu a sopa de cenoura e o assado, servidos em louça portuguesa, com a naturalidade contente de quem admite que nenhum outro menu de facto lhe poderia ser oferecido.»

Mário Cláudio, As Batalhas do Caia (1995)

O 8 de Março na blogosfera

Neste tempo de ameaça civilizacional, poucas vezes o Dia Internacional da Mulher terá sido tão pertinente. E em Portugal também, oh, muito também! Porque temos Mãe, Mulher, Filhas, Irmãs, Avós, Tias, Sobrinhas, Amantes, Amigas; porque somos Homens.



A Barbearia do Senhor Luís (de onde retirei o filme)

CHANGES



sábado, março 07, 2015

uma alma desejosa de se corrigir

«-- Fez-vos bem a santa missa de ontem? -- quis saber Tareja.
-- A missa só por si não sei, mas Deus, que nunca abandona quem procura emendar-se, pôs no meu caminho a vossa presença, e ela, sim, deu segurança ao meu ânimo e todo o santo dia conheci pensamentos castos como convém a uma alma desejosa de se corrigir.
Tareja deixou então tombar o xaile que lhe cobria os alvos ombros e demorou algum tempo a resguardá-los de novo e isto com tanta graça que os olhos de Afonso se turvaram.»

Augusto Abelaira, O Bosque Harmonioso (1982)

AQUELE ABRAÇO



o melhor dos seus dias

«Espevitou os carvões, na braseira que aquele Fevereiro áspero ainda requeria, e, sentindo um calor de sono, de exaustação, começar a possuí-la nebulosamente, abandonou-se, abençoou a brandura desse cair do pano, essa trégua fisiológica que era o melhor dos seus dias.»

Urbano Tavares Rodrigues, Bastardos do Sol (1959)

quinta-feira, março 05, 2015

bastou-me ver teu rosto e mais que ver olhar
Ruy Belo

BLACK NIGHT



quarta-feira, março 04, 2015

estampa CLXXXIX - Jackson Pollock

Jackson Pollock - Autumn Rhythm, 1950

Ritmo de Outono (Número 30) (1950)
The Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque)

BOYS DON'T CRY



terça-feira, março 03, 2015

idealizações burguesas do antanho

«Era uma época pronta a desaparecer como um vulto na curva da estrada. A vida de província era ainda meio contemplativa, com pessoas abastadas e francas nas casas que estavam seguras de deixar aos filhos ou aos sobrinhos; gente que não oferecia surpresas e honrava o nome de família sem que fossem precisas provas heróicas. Bastava-lhes casar e ter outros filhos como eles, com virtudes e vícios moderados.»

Agustina Bessa Luís, Antes do Degelo (2004)

HIDE & SEEK



segunda-feira, março 02, 2015

um parágrafo perfeito: tudo está no seu lugar: nem uma palavra a menos nem uma palavra a mais

«Entra na cozinha. Cozinha, pia de pedra e janela para as traseiras onde há varandas com pombais e roupa estendida a secar; vasos e caixotes de flores nas janelas, ervas selvagens a crescerem nos telhados por onde passeia a rataria, antenas de televisão. Elias, com lume brando e desencanto que baste, aquece o leite da manhã.»

José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães (1982)

CORCOVADO / QUIET NIGHTS OF QUIET STARS



domingo, março 01, 2015

a harmonia da vida e da morte

«Mas o que ele contava tinha agora mais verdade  -- era a terra e o vinho desse ano, as sementeiras e as próximas manhãs de geada e de sol e da paz solene da fecundação. As suas mãos, grossas e escuras como fragas, quase não faziam gestos, os seus olhos desciam sobre si, sobre Isaura e os filhos, como se receasse perder-se de uma comunidade de raízes, dessa plenitude fértil onde tudo estava certo: a harmonia da vida e da morte.»

Vergílio Ferreira, Aparição (1959) 

A Literatura no Estômago

Publicado em 1950, Gracq tem a coragem de disparar em todas as direcções. As mundanidades literárias, os lançamentos, os prémios, as vaidades e o poucochinho delas; os aproveitamentos ideológicos e partidários, que pouco ou nada têm que ver com literatura; a academização, em que pontificam os bonzos universitários, que da literatura se servem para guardar posição e modo de vida. O texto de Ernesto Sampaio também se recomenda.

Julien Gracq, A Literatura no Estômago, apresentação e tradução de Ernesto Sampaio, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987.


Fountains Of Wayne, «Better Things»