sexta-feira, abril 30, 2010

O Vale do Riff - Billy Eckstine, «September Song»

A Europa dirigida pela Standard & Poor's

A coluna de Paul Krugman no i de hoje é completamente elucidativa quanto à natureza das chamadas "agências de rating" -- Standard & Poor's, Moody & outras associações de malfeitores.
Não é de admirar que os filisteus do costume se papagueiem mutuamente, defendendo que não interessa nada se as avaliações são justas ou injustas, quando muitos deles sabem bem do que se trata, sem precisarem, como eu preciso, de ler o Nobel da Economia para tentar perceber alguma coisa deste caos. O espaço público está cheio de ruído, a propósito de tudo e de nada.
O que verdadeiramente me espanta é a ausência de liderança europeia, a pequenês política dos dirigentes europeus -- todos à espera que a tia rica nos ampare, sem que se destaque uma voz forte, audível para lá das fronteiras da União, dando um murro na mesa para afirmar que os países que a constituem não podem estar nas mãos de chicos-espertos.
Não temo pela Grécia, nem por Portugal, porque a tia rica vai ser obrigada a abrir os cordões à bolsa para safar os sobrinhos estróinas; temo, sim, pela saúde da União Europeia. E das duas, uma: ou percebemos que não podemos continuar nestas meias-tintas para-federalistas e vamos mais longe, numa integração de tipo confederal, em que não haja lugar para habilidades gregas, ou o projecto europeu tornar-se-á uma miragem, sucumbindo aos egoísmos próprios dos estados e à pouca grandeza de quem os lidera. Há, fora da Europa -- e também dentro -- quem esteja interessado nisso.

quinta-feira, abril 29, 2010

(incon)sequências, (ex)citações

Assis Esperança -- E improvida continuaria, se não viesse ocupar, naquela casa, o invejado lugar de filha adoptiva, criado para ela -- mais difícil, tão difícil, que muita vez apelava angustiada para a sua firme resolução de ser alguém, tapando a boca a repostadas e rebeldias. -- Servidão (1947)
Vergílio Ferreira -- Um silêncio súbito, silêncio da terra. Só vozes ermas dos campos, ouço-as no calor parado da tarde. Reparo agora melhor no pequeno jardim. Uma selva bravia. As plantas selvagens irromperam de todo o lado, aos cantos dos muros à volta, junto à casa. Há algumas armações de madeira ainda, já apodrecidas, suspensas de arames, sem flores. -- Para Sempre (1983)
Carlos Vale Ferraz -- Tiraram lentamente as mochilas de cima dos ombros e morderam os lábios com a dor dos músculos dormentes cortados pelas correias de lona. Esfregaram a cara e os cabelos molhados da transpiração com o lenço verde do regulamento, ou mesmo com o quico camuflado, um bonezinho em feitio de canoa, de aba curta e quebra-nuca para proteger a cabeça dos ardores do sol. -- Nó Cego (1983)



O Vale do Riff - James Brown, «Soul Power»

quarta-feira, abril 28, 2010

caderninho

Tenho sofrido. Digo isto como se dissesse: tenho vivido. Fujo dos pleonasmos. Bourbon e Meneses
Novos Solilóquios Espirituais

O Vale do Riff - The Rolling Stones, «Shake Your Hips»

terça-feira, abril 27, 2010

Antologia Improvável #429 - Carlos Gouveia

A ÚLTIMA ESPERANÇA

Chivera
naquela manhã viera
trazer o filho que morria
no armazém do patrão
para receber a guia
do lactário que dá injecção.

Disseram-lhe
que ele não podia
ser dispensado do serviço
só porque o filho tinha feitiço
e não comia há dois dias!

Na outra manhã
Chivera
já não trazia
o filho que morria
mas sim os olhos chorando
a boca muda protestando
a última esperança perdida;

só os sacos de milho
das lavras dos seus irmãos
no armazém esperavam
a hora das suas mãos
para mais um dia de vida...

Poesia / No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)

O Vale do Riff - Grateful Dead, «St. Stephen»

segunda-feira, abril 26, 2010

figuras de estilo

Na madrugada escura, o homem ergueu o peito e soprou no búzio o último aviso. O som atravessou a vila e ganhou eco na encosta do castelo, estalando como um ai. Cães responderam com uivos, de focinho curvo para o céu, e um galo, atónito entre tanto mistério, gritou pelo Sol.


Manuel da Fonseca,
«Sete-estrelo», Aldeia Nova
(imagem)

O Vale do Riff - 25 Yard Screamer, «Blacklight»


sábado, abril 24, 2010

boas maneiras

Louis Armstrong
foto: Ed van der Elsken

quinta-feira, abril 22, 2010

(incon)sequências, (ex)citações

Ferreira de Castro -- E o Caetano, que ambicionara aquele passeio por conta do seringal e assistira, roído de inveja, à sua partida? Rir-se-iam dele... Quase dois contos atirados por água-abaixo! / No topo da escada, esbatendo-se na penumbra, surgiu o abdome e logo o rosto avermelhado de Macedo, proprietário da «Flor da Amazónia». -- A Selva (1930)
Jaime Cortesão -- Uma seriedade nova vinca as frontes e põe labaredas nos olhos. Comungamos a Pátria; somos em estado de graça. / Não durmo nessa noite. É um diálogo entre mim e a consciência. Decido oferecer-me para partir, e ao dia seguinte, em carta ao Ministro da Guerra, Norton de Matos, declaro-lhe sacrificar a essa grande obrigação os sagrados deveres de família, pois entende que esta guerra terá para o bem da Humanidade consequências tamanhas, quais ninguém pode mesmo prever desde já. -- Memórias da Grande Guerra (1919)
Júlio Dinis -- O sítio, naquele ponto, tinha o aspecto solitário, melancólico e nessa tarde, quase sinistro. Dali a qualquer povoação importante, e com nome em carta corográfica, estendiam-se milhas de pouco transitáveis caminhos. Vestígios de existência humana, raro se encontravam. Só de longe em longe, a choça do pegureiro ou a cabana do rachador, mas estas tão ermas e desamparadas, que mais entristeciam do que a absoluta solidão. -- A Morgadinha dos Canaviais (1868)





obsceno

Eu podia escrever qualquer coisa a propósito desta escandaleira do Névoa, mas só me saem obscenidades.

por acaso...

Rui Pedro Soares representa o que mais detesto na política: o aparelhismo partidário no acume da sua nulidade. Mas gostei da estratégia engendrada pelos seus defensores, que deixou a falar sozinhos os despojos do ferreira-leitismo.

Eu gosto imenso da Inês de Medeiros,

e acho esta história das viagens uma merdalhice. O problema para estes pacóvios é a Inês de Medeiros residir em Paris e não na Merdaleja -- aproveitando, já agora, para tentar marcar mais uns pontinhos na politicalha.
Devo dizer que me sinto satisfeito por tê-la como minha representante na Assembleia da República; o mesmo não direi da Dona Coisa do BE ou do gajo qualquer do PSD que veio falar das ilhas do Pacífico, a despropósito do assunto.
E, para que conste, sentir-me-ia igualmente satisfeito por ter votado na sua lista, tivesse Inês de Medeiros sido eleita por que partido fosse -- pois vale mais uma Inês de Medeiros (ou um António Filipe, ou um Fernando Rosas, ou um José Eduardo Martins, ou...) que uns bovinos chegados ao parlamento graças a arranjos habilidosos nas concelhias e distritais dos partidos.

O Vale do Riff - Sidney Bechet, «Premier Ball»

quarta-feira, abril 21, 2010

caderninho

CONDECORAÇÃO (da Legião de Honra) -- Fazer troça dela, mas cobiçá-la. Ao consegui-la, afirmar, sempre, que se não pediu. Flaubert
Dicionário das Ideias Feitas (tradução de Martim Avilez)

O Vale do Riff - Renaissance, «Flight»

terça-feira, abril 20, 2010

Antologia Improvável #428 - Guilherme de Faria

Bem sei que a mais alta glória,
E a fé de que ela nasceu,
É tudo mentira e fumo...
Mas o fumo sobe ao céu!


Desencanto
imagem

O Vale do Riff - Fuzigish, «Monique»

segunda-feira, abril 19, 2010

figuras de estilo

A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atónito sem saber parte de si, então é a pregação qual convém, então se pode esperar que faça fruto: Et fructum afferunt in patientia.


Padre António Vieira,
Sermão da Sexagésima

O Vale do Riff - Dave Holland, «Free For All»

domingo, abril 18, 2010

boas maneiras

Cannonball Adderley
(foto: Don Schlitten)

sábado, abril 17, 2010

apetecia-me estar em Gouveia

(incon)sequências, (ex)citações

Jorge Amado -- Ao lado da Igreja do Rosário dos Pretos, num primeiro andar com cinco janelas abertas sobre o Largo do Pelourinho, mestre Budião instalara sua Escola de Capoeira Angola: os alunos vinham pelo fim da tarde e à noitinha, cansados do trabalho do dia mas dispostos ao brinquedo. -- Tenda dos Milagres (1970)
Raul Brandão -- A torre da Sé deformou-se: o granito aliado à névoa, a névoa de mistura com a noite, abriram arcarias, alongaram as portas e fizeram dos restos da muralha antiga um tropel caótico. É um amálgama de realidade e pesadelo, trapos de nuvens e palácios desmedidos. -- A Farsa (1903)
Camilo Castelo Branco -- Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio de família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abra ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmo aromas , e à mesma hora da vida! -- Amor de Perdição (1862)



sexta-feira, abril 16, 2010

caderninho

Não ter a alma de um executante. Encontrar, em cada tomada de vista, um novo sabor naquilo que tinha imaginado. Invenção (reinvenção) imediata. Robert Bresson
Notas sobre o Cinematógrafo (tradução de Pedro Mexia)

O Vale do Riff - Sha Na Na, «Rock'n'Roll Is Here To Stay»

quinta-feira, abril 15, 2010

eu diria que o mal é a memória / o mal é a memória que contém o passado
João Candeias

O Vale do Riff - Radiohead, «Creep»

quarta-feira, abril 14, 2010

Antologia Improvável #427 - Francisco Delgado

Onde estavas, amor, que te não vi?

Eram cavalos-nevoeiro que montavas
por entre as brisas redondas.
Eram gritos de negro que escondias
nos soluços de sombras.
Eram horizontes que temias
nas noites despidas de sonatas.
Eram marés de turbilhão que repelias
no labirinto do vento.
Eram cortinas de aranha que corrias
no lamento
dos desfiladeiros inconcretos.
Eram cinzentas cruzes que erguias
em suspiros secretos.

E eu sem te ver, amor, e tu tão perto!

Era um mundo-jardim
cigano e aberto
desabrochado em teu regaço de silêncio:
água corrente em desprender de lamas,
caudal de labaredas emboscadas,
faróis da noite em chamas,
madrugadas.
Que longínquo país te habitava,
que nevoeiro imenso te escondia,
que febre de queimar te delirava,
que tu estavas tão perto e te não via?

No Reino de Caliban II
(edição de Manuel Ferreira)

O vale do Riff - Cassandra Wilson, «Easy Rider»

terça-feira, abril 13, 2010

submarinos

De contrapartidas & outras mercearias não sei, mas espero vir a ser informado pela imprensa. Quanto às máquinas propriamente ditas, a questão é esta: ou somos um estado ou não somos. Se somos, temos a maior zee da europa para vigiar, missão que não se cumpre com traineiras ou chalupas. Sendo federalista, não me faria mossa que nesse contexto político as nossas águas fossem patrulhadas por outros submarinos. Mas não estamos nesse patamar. Logo: ou somos um país -- ou não somos.

O Vale do Riff - Paddy Reilly, «Spancill Hill»

segunda-feira, abril 12, 2010

caracteres móveis

Só existem duas coisas: o amor, de todas as maneiras, com raparigas belas e a música de Nova Orleães ou Duke Ellington.


Boris Vian, A Espuma dos Dias
(tradução de Aníbal Fernandes)

O Vale do Riff - Sue Folley, «Hooked On Love»

domingo, abril 11, 2010

(incon)sequências, (ex)citações

José Saramago -- Não faltam cores a esta paisagem. Porém, nem só de cores. Há dias tão duros como o frio deles, outros em que se não sabe de ar para tanto calor: o mundo nunca está contente, se o estará alguma vez, tão certa tem a morte. -- Levantado do Chão (1980)
Vergílio Ferreira -- Abro a porta devagar, ela range para o espaço do jardim. É um jardim morto, as plantas secas, os canteiros arrasados nas pedras que os limitavam. Alguns têm só terra ou hastes secas de roseiras. Vejo-as do portão, o carro à entrada a trabalhar. Depois meto-o na garagem, que é um barracão ao lado da casa. -- Para Sempre (1983)
Carlos Vale Ferraz -- Os homens pararam. Alguns, mais cansados, sentaram-se imediatamente, outros ainda procuraram árvores para aproveitarem a sombra e o encosto dos troncos. Abriram os camuflados, aspirando o cheiro ácido de suor que saía do peito, para se refrescarem. Esqueceram os mil promenores da instrução de comando, , as forças não chegavam para tudo, mas a arma, essa ficou ali à mão de semear... -- Nó Cego (1983)




acordes nocturnos

sábado, abril 10, 2010

Como treinar o seu dragão

Uma das vantagens de ter filhos muito novos é a de poder apanhar com filmes destes. Vikings, dragões... recuo trinta e cinco anos.

quinta-feira, abril 08, 2010

caderninho

O coração alegre é para o corpo remédio salutar; o espírito triste seca os ossos. «Provérbios», Colecção Salomónica.
Bíblia Sagrada (Missionários Capuchinhos)

O Vale do Riff - Magenta, «I'm Alive»

quarta-feira, abril 07, 2010

Antologia Improvável #426 - João de Deus

A ANTERO

Tal é a confiança que te inspira
Estes reis, estes povos, esta gente,
Que é para o Céu que apela e se retira
Tua alma já de triste e descontente.

Mas Deus então seria ou impotente
Ou seria um Deus bárbaro: mentira!
Não pode suspirar eternamente
Quem há já tantos séculos suspira.

Vai ganhando terreno a luz brilhante,
Luz toda liberdade e toda amor
Que há-de salvar o mundo agonizante.

A palavra, esse Verbo criador
Há-de fazer que um dia, e não distante,
Só o nome de império inspire horror.


Campo de Flores

O Vale do Riff - Elvis Jackson, «Get Up!»

acordes nocturnos

imagem

terça-feira, abril 06, 2010

caracteres móveis - Rilke

[...] algures existe uma antiga inimizade / entre a vida e a grandeza da obra.


Requiem por uma Amiga
(tradução de Maria Teresa Dias Furtado)

quinta-feira, abril 01, 2010

Milady, é perigoso contemplá-la, / Quando passa aromática e normal
Cesário Verde

O Vale do Riff - Procol Harum, «Shadow Boxed»

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(incon)sequências, (ex)citações

Jorge Amado -- Aqui ressoam os atabaques, os berimbaus, os ganzás, os agogôs, os pandeiros, os adufes, os caxixis, as cabaças: os instrumentos pobres tão ricos de ritmo e melodia. Nesse território popular nasceram a música e a dança: / « Camaradinho ê / Camaradinho, camará.» -- Tenda dos Milagres (1971)
Dinis Machado -- «O quê?», perguntou Mister DeLuxe. «É curioso pensar, disse Austin, passando por cima da pergunta directa, «que o rapaz tirava burriés do nariz quando era pequeno, mas não os comia logo». «Hã?», fez Mister DeLuxe. «Não os comia logo», acentuou Austin, «colava-os à parede para os comer no dia seguinte.» Houve uma pausa. «Gostava deles secos», explicou. -- O que Diz Molero (1977)
Jorge de Sena -- Uma vez, numa aula de filosofia (o professor era um pobre diabo, muito lendário pela degradação intelectual a que chegara, e a quem, certo dia, na indisciplina ruidosa que eram essas aulas, demonstrámos o argumento de Diógenes arrastando todas as carteiras, sentados nelas, para os vários cantos da sala), D. Ramon levantou-se, e objectou que todos os seres vivos tinham alma, o que, segundo as regras da ciência, era uma verdade, e não um ponto controverso de especulação filosófica. -- Sinais de Fogo (1978)