domingo, maio 31, 2009

quadrinhos






Hergé, Les Aventures de Tintin Réporter du "Petit Vingtième" au Pays des Soviets
Franquin, Os Herdeiros
Jacobs, O Raio U
Hergé, O Vale das Cobras
Jacobs, O Segredo do Espadão -- A Perseguição Fantástica

sábado, maio 30, 2009

Caracteres móveis - Émile Zola

não bastava que um homem morresse de fome e de frio, para que desabasse toda a andaimaria de uma sociedade alicerçada na esmola? Bastava uma só vítima, e essa sociedade estava condenada.


Paris
(tradução de Pandemónio)

Outros tons - Delfins & Rui Pregal da Cunha, «Canção de Engate»

sexta-feira, maio 29, 2009

caderninho

Aos que têm sede de domínio domina-os a paixão de dominar. E o seu desejo de dominar os outros visa a fazê-los escravos de uma paixão de que eles já são escravos. É assim que os senhores são também escravos e que só os escravos são bons para senhores. José Marinho
«Reflexões e Aforismos», presença, n.º 31-31, Coimbra, Março-Junho de 1931

O Vale do Riff - Wilco, «You Are My Face»

quinta-feira, maio 28, 2009

Antologia Improvável #380 - António Sardinha

SONETO DA VISITAÇÃO

Vinde, adorai! Criados e parentes!
Tenho o presépio em nossa casa armado.
Vinde adorar o meu menino amado,
Honrá-lo com carinhos, com presentes!

Muito quietinho, nas roupinhas quentes,
O infante dorme, dorme aconchegado.
É lindo, pois não é? o meu morgado?
Que tu, Senhor, em graça mo aviventes!

E, de joelhos, com um ar de boda,
Adora e pasma-se a assistência toda,
Como diante dum festivo altar.

Que perfeição! Que enlevo de criança!
-- E pedem num louvor que não descansa
Que Deus nos dê saúde p'ra o criar.


A Epopeia da Planície / Líricas Portuguesas 3.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

O Vale do Riff - Robert Plant, «Freedom Fries»

Figuras de estilo - Francisco Rodrigues Lobo

Aqui, curioso leitor, vos ofereço prática e estilo de pastores, doutrina verdadeira de avisados; não pírolas douradas, bívoras entre flores, nem veneno em vaso rico: antes pelo contrário, diamantes por lavrar, perlas em a sua concha; e, em lugar de mentiras enfeitadas, verdades honestas.


«Discurso sobre a Vida, e Estilo dos Pastores ao Leitor» /
/ Poesias Escolhidas

terça-feira, maio 26, 2009

caderninho

A tendência natural do homem é considerar tudo aquilo que debaixo dele não mexe, como um capacho -- a que se pode à vontade limpar os pés. José Bacelar
Revisão 2

O Vale do Riff - Keith Jarrett, «Autumn Leaves»

Antologia Improvável #379 - Cecília Meireles (4)

ELEGIA

1

Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos.
Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.

No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,
modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.

Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho; a mesma claridade da lua.

Vi aquele dia levantar-se inutilmente para as tuas pálpebras,
e a voz dos pássaros e a das águas correr,
-- sem que as recolhessem teus ouvidos inertes.

Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos móveis? No tecto?

Inclinei-me sobre o teu rosto, absoluta, como um espelho.
E tristemente te procurava.

Mas também isso foi inútil, como tudo mais.


Antologia Poética

domingo, maio 24, 2009

quadrinhos






















Jacobs, O Segredo do Espadão -- A Perseguição Fantástica
Hergé, Tintin Réporter du "Petit Vingtième" au Pays des Soviets
Franquin, Os Herdeiros
Jacobs, O Raio U
Hergé, O Vale das Cobras

sábado, maio 23, 2009

Outros tons - Clã, «Dançar na Corda Bamba»

Resposta a GJ - As minhas séries (1) -- All In The Family

Por causa da Grande Jóia, andei a matutar nas séries de televisão que mais me marcaram, por esta ou aquela razão. Devo dizer que, com uma ou outra excepção, deixei praticamente de as ver nas últimas duas décadas. Retomei o hábito há uns meses, no canal 2, e estou a seguir o «24», do Jack Bauer, «O Mentalista», estreado há pouco e o «Fringe» de vez em quando.
Mas vamos ao que interessa. Tinha eu dado a minha listinha por concluída, quando me dei conta duma falta clamorosa, talvez a minha série preferida: «All In The Family», com o glorioso Carroll O'Connor e a esfusiante Jean Stapleton. Acho inultrapassável como sátira do preconceito e da mediania.
E vou aproveitar para ir falando de séries nos próximos tempos, algumas das quais a GJ escolheu e que são também das minhas preferidas.

Três Vivas a Marinho Pinto?

Sim, claro!
Que tunda monumental, que massacre!
Quase fiquei com pena da mulherzinha.
Foi higiénico, acima de tudo.
Três vivas a Marinho Pinto!

O Vale do Riff - The White Stripes, «Seven Nation Army»

quinta-feira, maio 21, 2009

Caracteres móveis - Charles Darwin

Um romance, de acordo com o meu gosto, não é de primeira a não ser que tenha um personagem que se possa amar sem reservas, e se for uma mulher bonita tanto melhor.


Autobiografia
(tradução de Teresa Avelar)

O Vale do Riff - Emerson, Lake & Palmer, «Bitches Crystal»

caderninho

Há as que se crêem sedutoras, mas não passam de sedutrizes. David Mourão-Ferreira
Jogo de Espelhos

terça-feira, maio 19, 2009

acordes nocturnos

Antologia Improvável #378 - Lourdes Borges de Castro (3)

ETERNA NO TEMPO

Eterna no tempo
Sem passado e sem futuro;
Eterna no tempo
Sem passado e sem presente;
Eterna no tempo
Sem algemas e sem grades;
Eterna no tempo
Escrita na terra e gravada no céu,
Cantada pelo Mar e pelo Vento
Minha canção de Amor há-de ficar
Eterna no tempo!

Eterna no Tempo

O Vale do Riff - Abdullah Ibrahim, «Jacaranda Blue Suite»

li e torno a ver

A homenagem de José Saramago, no seu Caderno, ao maravilhoso Mario Benedetti.

Figuras de estilo - Agustina Bessa Luís

ele comoveu-se, sentiu de novo uma fraterna tolerância para com aquele bom homem, não tolo, não incapaz, mas tornado medíocre à custa da abnegação do conformismo, do comodismo das próprias aspirações.



A Sibila

domingo, maio 17, 2009

O silêncio é a alma de Deus e a sua luz mais fulgurante
Fernando Botto Semedo

vi e torno a ler

No Abrupto, o dedo nas feridas do BE (ou, pelo menos, de uma parte dele: a do ranço moralisto-totalitário).

sábado, maio 16, 2009

caderninho

Uma boa parte da nossa existência passa-se duma maneira curiosa: a fingir que sabemos umas coisas e que ignoramos outras. Emílio Costa
Filosofia Caseira

Outros tons - Ala dos Namorados, «Loucos de Lisboa»

acordes nocturnos

Antologia Improvável #377 - Latino Coelho

NO ÁLBUM DE «MISS» MUNRO

Dá-te seus risos cândidos
A fresca mocidade?
Ainda em teus sonhos áureos
Sorri a f'licidade?
Da tua vida flórida
'Stás inda na manhã?
Inda na fronte pálida
A mão da desventura
Não foi crestar-te rápida
A c'roa etérea e pura?
Mostrar-te que no mundo
Toda a ventura é vã?

Inda p'ra ti a lânguida
Brisa que à tarde ondeia
Te anima a fronte plácida
Que a dor nunca anuveia?
Inda te afaga o 'spirito
Gentil, casta ilusão?
Nas regiões sem término
De uma infinita esp'rança
Inda a tua alma etérea
Voa, e jamais descansa,
Sem que a detenha lúgubre,
Fatal desilusão?

Oh! goza a aurora flórida
Do dia da existência,
Colhe-lhe as rosas cândidas
Nas horas da inocência.
A taça esgota, sôfrega,
Do rápido prazer;
Ah! goza, enquanto a última
Voz do fatal destino
Não vem mesclar-se lúgubre
Da juventude ao hino,
Que os gozos da inocência
Jamais hão-de volver.


Latino Coelho -- Poeta e Amoroso
(edição de Arlindo Varela)

sexta-feira, maio 15, 2009

O Vale do Riff - Whitesnake, «Walking In The Shadow Of The Blues»

Caracteres móveis - Javier Cercas

o artista é quem torna visível o já visível, que toda a gente olha e ninguém consegue ou ninguém sabe ou ninguém quer ver. Ninguém quer ver, digamos antes. É demasiado desagradável, com frequência pavoroso, e é preciso ter os tomates no sítio para ver sem fechar os olhos ou desatar a correr, porque quem o vê fica destroçado ou enlouquece.


A Velocidade da Luz
(tradução de Helena Pitta)

quarta-feira, maio 13, 2009

Antologia Improvável #376 - Bernardo de Passos (2)

O MURO

Era um muro antigo, que se erguia
Em quinta solarenga, que cercava.
As árvores que ao pé do muro havia
Mal mostravam o fruto a quem passava.

Pela estrada, que o sol esbraseava,
Uma turba famélica seguia,
Que olhando o fruto na alta ramaria,
Tinha esse ar com que Cristo agonizava...

Falava o fruto aos pobres com tristeza;
«Sou da fome; comei-me em liberdade...»
E o muro hostil gritava-lhes: «Ladrões!»

Este muro oprimindo a Natureza,
É quem oprime aí toda a Verdade,
Todo o Amor, separando os corações!


Grão de Trigo / Obra Poética
(edição de Joaquim Magalhães)

O Vale do Riff - Mike Oldfield, «Ommadown»





terça-feira, maio 12, 2009

caderninho

O nosso amor-próprio sofre com mais impaciência a condenação dos nossos gostos que das nossas opiniões. La Rochefoucauld
Máximas (tradução de Cristina Proença)

O Vale do Riff - Dr. Feelgood, «I Was Lookin' Back» / «Stupidity» / «You''ll Be Mine»

segunda-feira, maio 11, 2009

Caracteres móveis - William Shakespeare

Apaga-te, apaga-te tocha tão curta, que a vida não é mais que uma sombra passageira, um pobre actor que se pavoneia e agita uma hora em cena e que ninguém mais ouve; é um conto dito por um idiota, cheio de som e fúria, mas que nada significa.


A Tragédia de Macbeth
(tradução de João Palma-Ferreira)
imagem daqui

O Vale do Riff - Billie Holiday, «Trav'lin' Light»

porque sim (as minhas mulheres)

domingo, maio 10, 2009

Antologia Improvável #375 - Augusto Ricardo

PALAVRAS

Um breve sopro exangue prende e leva
as palavras mortiças e vazias
pelo percurso intérmino da treva,
tapetado de penas e agonias.

Mas nem tudo se perde no caminho,
na corrida do tempo vagabundo,
e há quem procure, em vão, devagarinho,
humildades perdidas pelo mundo.

A vida em que de há muito se descrê,
envolta nas palavras incolores,
não vale a ténue sombra que se vê,
nem mentiras sequer, nem dissabores.

Entre tanta palavra corrompida,
duas persistem firmes, desta sorte:
-- a palavra gritante que diz vida
e a que segreda, num murmúrio, morte.

O Segredar das Horas

estampa CLV

Jean Baptiste Oudry, O Lobo Morto
Wallace Collection, Londres

Caracteres móveis - Edouard Balladur

Na política é como no amor, não se suporta ser decepcionado.


Maquiavel em Democracia
(tradução de José A. Pereira Neto)

sexta-feira, maio 08, 2009

caderninho

Como? Escolhestes a virtude e o peito inchado e, ao mesmo tempo, olhais de esguelha para as vantagens dos homens sem escrúpulos? -- Mas pela virtude renuncia-se às «vantagens»...


Crepúsculo dos Ídolos
(tradução de Artur Morão)

quarta-feira, maio 06, 2009

Antologia Improvável #374 - José Alberto Oliveira (4)

SEGUNDA MEDITAÇÃO SOBRE A MORTE

Alguém lerá estas linhas,
em páginas de bordos castanhos,
comidas pela traça, escritas
entre dois séculos, num canto
ocidental da Europa, que encontre
o eco de uma emoção que julgava perdida?

Medito neste devaneio, sem conseguir
deslindar as vírgulas. Cinzas, ossos
descarnados, mesmo alguns átomos perdidos
na geada que entorpece os campos,
no nevoeiro que se abate sobre
as cidades -- vindos do nada, que exigiremos
senão pagar a dívida, num sono que se ignora?
-- acaso que fecha a porta do quarto,
depois de uma noite de amor venal,
espera saudades?

Mais Tarde

O Vale do Riff - Joni Mitchell, «Goodbye Pork Pie Hat»

terça-feira, maio 05, 2009

Lede, que é tempo, os Clássicos honrados
Filinto Elísio

O Vale do Riff - Annie Ross, «Twisted»

V.G.

O Vasco Granja é que me apresentou a maior parte desse pessoal, aí no estendal da direita. Ele escrevia «quadrinhos», como os brasileiros.
Foto: Expresso

segunda-feira, maio 04, 2009

Caracteres móveis - Joseph Conrad

O medo fica sempre. Um homem pode calar dentro de si o amor, o ódio, as crenças e mesmo a dúvida; mas enquanto se apegar à vida, não calará o medo: o medo subtil, indestrutível e terrível, que lhe invade o ser; que lhe cobre os pensamentos; que se oculta no seu coração; e que lhe espreita nos lábios o esforço do último suspiro.


«Um posto avançado do progresso»,
Histórias Inquietas
(tradução de Carlos Leite)

O Vale do Riff - Martha Tilton, «Got Love»

domingo, maio 03, 2009

clube de leitura - Servidão

Assis Esperança, Servidão, Guimarães & C.ª - Editores [1946].
Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências.
Leonor, 17 anos, cinco irmãos, tendo de cuidar dos três mais novos. Bonita e vivaça. Entregue pela mãe a uns "padrinhos" ricos de Salreu como meio de fugir à miséria endémica dos pobres, na ausência prolongada do pai, avinhado e brutal. Regressado este, três meses depois, reclama-a, obrigando à saída desse conforto precariamente conquistado e o regresso ao tugúrio familiar, sem condições, sem higiene, sem privacidade.
Leonor conhece um rapaz da praia da Torreira, Manuel, que estuda em Lisboa, no Arsenal do Alfeite, futuro comandante da pesca do bacalhau. Diz-se mais velha, foge para a capital, vivem num quarto, enquanto o pai dela não manda a polícia no seu encalço, recambiando-a para a aldeia e detendo o inocente Manuel. Casam-se. Vida na Torreira, com os sogros. Manuel perdera o ano por faltas, embarca para a Terra Nova. Por lá desaparece num bote auxiliar ao pesqueiro, e é posteriormente dado como morto.
Leonor está grávida. Tem direito a uma pensão de dois contos de reis, que tarda, dado não haver cadáver que comprove o óbito. Quezílias com a sogra, interesseira e sem carácter. Na companhia do seu irmão preferido, Chico, de 13 anos, vai para o Porto, tentar a vida.
Leonor no Porto, nas "ilhas" do Porto, no meio operário e socialmente desvalido. Páginas fortíssimas de Assis Esperança, a lembrarem-me a descrição dos pardieiros de Paris por Zola, sem cair, contudo na minúcia naturalista, quase obsessiva. Servidão é, aliás, neste ano de 1946, o mais conseguido livro de Assis Esperança, como construção romanesca e como estilo -- sem o rebuscado de Viver! (1921) nem a secura de Gente de Bem (1938) (ressalvo que ainda não consegui ler o Ressurgir [1928]).
Não me é possível escrever aqui convenientemente sobre este volume de Assis. Cingo-me a algumas notas:
A personalidade de Leonor, protagonista do romance, comovente de fortaleza e estoicismo -- personalidade forte que não permite uma identificação miserabilista ou sentimental por parte do leitor, à medida que a acção se desenrola no Porto, num período crítico do ponto de vista económico e social (primeiros anos da II Guerra Mundial). À medida que a leitura se desenrola, estamos a ver quando Leonor irá desistir, quando se vai entregar à prostituição -- recurso de tantas mulheres num beco sem saída -- ou quando se deitará ao Douro, terminando com a vida, em especial após o trauma do parto de um filho nado-morto. Mas eu não conhecia bem Leonor. Ela volta à aldeia, lá no concelho de Estarreja, em socorro da mãe, gravemente doente. Oportunidades de se amantizar com um velho rico (o "padrinho"...), parece haver; mas ela é doutra têmpera. No fim da narrativa, ela sossega a mãe, dizendo-lhe que nunca há-de ser «má mulher»: «Porque adivinho que "qualquer coisa" se passa à roda de nós, daqueles que sofrem e trabalham.» Assim remata Assis Esperança o seu romance, na página 576. Um anticlimax aparente, porque aquela «qualquer coisa» contém em si a promessa dos maiores vendavais.
Só este tópico daria pano para mangas, mas como tenho um artigo prometido sobre Servidão, reservo para lá outros desenvolvimentos.
A outra nota que gostaria de postar é a valiosa atenção que Assis Esperança continuou a dar à condição da mulher, desta vez já não da média e alta burguesia, como em Gente de Bem, mas à mulher popular, sofrendo esta um duplo jugo: a dos descamisados e o da sua condição de fêmea, ser inferior e secundarizado na sociedade portuguesa.
Um romance esplêndido, em suma, que bem mereceu o Ricardo Malheiros daquele ano.
Roberto Nobre tem aqui uma das suas melhores capas.
Incipit: Abriu os olhos estremunhada. A necessidade, feita hábito, de acordar cedo, perdera-a, ela, logo nos primeiros dias da sua adaptação aos horários e empecilhos daquela casa. Nessa manhã, porém, fazia dezassete anos. Se vivesse ainda com os pais, não haveria na sua expectativa lugar para dúvidas: receberia, prenda única de aniversário, os afagos e as lamurientas falas da mãe, penitente do mal da pobreza: -- «Nem uma blusinha te posso dar, filha!» -- Ali, seria diferente: conheceria como as pessoas ricas tratam quem está a seu cargo. Se não corresse o risco de receber da madrinha a reprimenda de lhe recordar, a propósito de tudo, as responsabilidades da sua idade, mulher já feita, circunspecta, tão precoce saíra -- pediria uma boneca. Das maiores. -- Sonho premente desde a infância, não conseguira mais que arremedá-lo de cambulhada e, entre outros, com monas de trapos: uma saia velha, um atilho, apertado com força, a formar a cabeça, outro, a meio, a traçar a cintura. E improvida continuaria, se não viesse ocupar, naquela casa, o invejado lugar de filha adoptiva, criado para ela -- mas difícil, tão difícil, que muita vez apelava para a sua firme resolução de ser alguém, tapando a boca a repostadas e rebeldias.

acordes nocturnos

cartoon

William Hanna & Joseph Barbera, Tom And Jerry In The Hollywood Bowl (1950)

sábado, maio 02, 2009

acordes nocturnos

Figuras de estilo - Vergílio Ferreira

O abandono. O vazio. A indiferença. Tudo está feito, o que tinhas de dizer já o disseste, os que dialogavam contigo para estarem de acordo ou te insultarem foram recolhendo ao silêncio definitivo. É a hora de te ires calando também, recolheres à aposentação de falares e de ouvires. Porque nenhuma palavra é já para ti e assim nenhuma tua é já para os outros. Mas a tua língua move-se ainda, entre ela e a palavra, mesmo que seja só um nome, há uma ligação que nada pode cortar. Fala para dentro. Chama para dentro. E poderás circular entre os homens sem que te metam num manicómio.


Escrever
(edição de Helder Godinho)

Outros tons - Amália Rodrigues, «Maria Lisboa»

desculpas

Vamos lá a ver:
A CGTP convida o PS a fazer-se representar na manifestação do 1.º de Maio. Perfeito.
O PS escolhe a delegação que entende. Está no seu direito.
Não acredito que no PS não se antecipasse o tipo de reacção da turba, uma vez que os trânsfugas do PCP são sistematicamente sujeitos à destruição de carácter.
Vital Moreira sabe-o perfeitamente. Esteve lá; conhece-os bem. Então, das duas, uma: Vital foi à procura da sua Marinha Grande; ou Vital, homem livre, ciente dos riscos, quis exercer a sua prerrogativa numa sociedade democrática; a de se manifestar, ainda por cima integrado numa delegação convidada.
O PCP não tem de se desculpar. Objectivamente, a forma insidiosa como tratam os dissidentes só responsabiliza os energúmenos que agridem, em transportes místicos de inconsciência revolucionária. A responsabilidade moral não é para aqui chamada. Porque Vital Moreira foi agredido desta forma, não por ser membro da delegação do PS, ou pelo desespero de supostas vítimas da crise actual. Foi-o por ser dissidente do PCP, como toda a gente que esteja atenta à natureza do Partido e conheça a sua história sabe. Aliás,a palavra traidor foi bem ouvida. Percebo que Carvalho da Silva procurasse arranjar essa explicação benigna do desespero dos trabalhadores, mas as coisas são o que são.
A Intersindical apenas deve desculpas formais e de cortesia -- que desde logo apresentou --, uma vez que obviamente não pode ser responsabilizada por actos isolados, que de resto só prejudicam os seus propósitos de contestação ao Governo.
É óbvio que o PS vai fazer render o peixe. É bem feito.
imagens RTP

sexta-feira, maio 01, 2009

O Vale do Riff - Artie Shaw & Helen Forrest, «Deep Purple»

Antologia Improvável #373 - Martins Fontes (4)

LIBERTAÇÕES

Que ignomínia viver! que horror a vida!
Matar, para comer: ser sepultura!
Ter consciência da falta cometida,
E reincidir na mesma desventura!

Ser mais cru do que a fera enfurecida.
Desprezar-se a si própria a criatura.
Não pode haver mais tétrica ferida,
Nem pode haver mais trágica tortura.

E não seremos nós nunca libertos
Do crime incrível de viver? Suponho
Que sim. Existem três caminhos certos.

Para fugir deste atascal medonho,
As três consolações, três céus abertos,
São: o suicídio, a solidão e o sonho.


Nos Rosais das Estrelas / Poesias Completas