terça-feira, setembro 30, 2008

acordes nocturnos

Antologia Improvável #333 - Eduardo Teófilo

CREDO

Creio
Com toda a Fé generosa
De um coração submisso
Na Natureza Humana
Creio no Homem
No Universo
Em mim

Creio
Com a força poderosa
De uma alma inquieta
Ser possível na Terra
O Amor
A Paz
A Bondade

Creio
Intransigentemente
Na Inteligência Humana
No seu Poder
Na sua Glória

Creio em Mim
No Fogo que me anima
No Querer que me conduz

Creio
Porque é preciso querer
O Homem ser capaz
De dar e receber
Verdade, Amor e Paz
Beleza, Bem, Justiça

Porque só crendo em grandeza
Se pode assegurar
Vontade de vencer
Direito à própria Vida

Primeiro Livro de Horas

O Vale do Riff - John Lewis & Billy Taylor, «Here's That Rainny Day»

segunda-feira, setembro 29, 2008

A beleza dos motins

O Albano Ruela é dos bloggers mais talentosos que conheço. Cada visita ao Neo-Artes é sempre uma revelação, uma descoberta. Há tempos, o Ruela pediu-me uma legenda para uma composição sua sobre os Pistols. Mandei-lha, e ele verteu-a para inglês. O resultado está em baixo. Um abraço, caro Ruela.

O Vale do Riff - Rick Wakeman, «Jane Seymour»

domingo, setembro 28, 2008

homenagens a Nicot

Domingos Monteiro

Caracteres móveis - Émile Zola

Esquerda, direita, católicos, republicanos, socialistas, as vinte tonalidades dos partidos não eram senão as etiquetas que classificavam a mesma sede ardente de governar, de dominar. Todas as questões se reduziam à questão única de saber quem, este, aquele ou aqueloutro teria na sua mão a França, para a gozar, para lhe distribuir os favores pela clientela das suas criaturas. E o pior era as grandes batalhas, os dias e as semanas perdidos para fazer suceder este àquele e este outro a esse, apenas iam dar aos mesmos pontos, porque todos eles se equivaliam, e não havia entre eles senão vagas diferenças, de sorte que o novo senhor caldeava o mesmo trabalho, que o precedente havia caldeado, forçosamente esquecido dos programas e das promessas, desde que ele reinava.


Paris
(tradução de Pandemónio)

clip - «The Look Of Love», ABC

sábado, setembro 27, 2008

cartoon - Gerald McBoing Boing

Robert Cannon, «Gerald McBoing Boing» (1951)

sexta-feira, setembro 26, 2008

quinta-feira, setembro 25, 2008

capismo

[já agora, se me dão licença...]
Capa de Fernando Felgueiras sobre desenho de Roberto Nobre para o meu livro Anarquismo e Neo-Realismo -- Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século
Âncora Editora, Lisboa, 2002

Antologia Improvável #332 - Dick Hard

SENHOR DA ESCRAVIDÃO

Pensavas que gostava de ti
desinteressado
ingénua que tu és
ó minha amada

Venerava-te, é certo
por interesse
na ambição de consumir-te
d'empreitada

De tomar o teu corpo
a meu cargo
e só deter-me
quando ele fumegasse

De deixá-lo ressequido
mesmo amargo
ainda que ele
protestasse

E não olhar a meios
nem desígnios
para sorver o teu pólen
a tua seiva, a tua hera

Penetrar bem fundo
no teu âmago
ir até aos confins
do Infinito

Como se houvesse
um outro mundo
onde não pudesse deixar
de ser proscrito

Pensavas que gostava de ti
desinteressado
ingénua que tu és
ó minha amada

Sabes que me deliciava no teu corpo
me saciava na ideia de o ter
nada mais fazer
do que dispor

Mas sabes que dele ficava um travo
mais amargo do que tu possas saber
um ligeiro paladar chamado amor
que me transformou em teu escravo


[aliás, Luís Graça]
De Boas Erecções Está o Inferno Cheio

O Vale do Riff - Dr. Feelgood, «Lights Out»

quarta-feira, setembro 24, 2008

JornaL


Uma pérola no JL de hoje, em magnífico dossier Machado de Assis. Na entrevista ao seu biógrafo, Daniel Piza, cita-se Harold Bloom, que defendeu ser o autor de Dom Casmurro não só um dos maiores génios da Literatura universal, mas também o maior escritor negro. Sobre esta condição racial diz Piza: «[..] naquele tempo, quanto mais se subia, mais branco se ficava. Pelo menos é essa conclusão a que eu chego comparando a pintura que foi feita para a Academia de Letras e uma fotografia muito anterior. Na primeira ele é todo branco, grego, na segunda, muito mais negro. Inclusivamente, no seu obituário escreve-se na alínea da cor da pele: branco»...

E já que estou no JL, um luminoso artigo de António Carlos Cortez, «contra a corrente», intitulado «Ensinar Literatura»: «Ignorar a ideologia do texto literário e submeter os alunos à simples etiquetagem dos textos por «tipologias» é cercear o entendimento da própria língua, quer na sua dimensão gramatical, quer na sua dimensão artística.»

E este, de José-Augusto França, «Camilo versus Eça», em recensão ao livro de A. Campos Matos, A Guerrilha Literária (Parceria A. M. Pereira), a propósito da clubite dos adeptos de Camilo e de Eça, entre outras que fomos encontrando ao longo do último século, nas artes e nas letras: «"Guerrilha Literária" diz então Campos Matos, e assim somente é, na realidade cultural em cena [... p]ara a qual será sempre preciso preferir o Sporting ou o Benfica... / ...Ou, por outros nomes, Amadeo ou Almada, Aquilino ou Ferreira de Castro, Torga ou Régio, Saramago ou Bessa -- e não há terceiros nomes ou clube do Porto que valham a dicotomia simbólica...»

Este JL, aliás, está recheadíssimo de páginas interessantes: Mafalda Arnauth comentando o seu último disco, Flor de Fado, faixa a faixa; um fragmento sublime de Eduardo Lourenço; uma resenha muito sugestiva de Guilherme d'Oliveira Martins duma visita a Cracóvia; um texto esplêndido de João Medina sobre «O Terceiro Homem» de Carol Reed com guião de Graham Greene; um depoimento notável de António Sampaio da Nóvoa sobre Eurico Gonçalves: «Eurico pinta com a mesma seriedade com que uma criança brinca»...

Dos «discos», duas das melhores páginas do jornal, passo a saber que houve «um Balzac da canção»: Pierre-Jean de Béranger, agora editado pela Alpha com a voz do barítono Arnaud Marzorati, Le Pape Musulman & autres chansons. E fica-me a curiosidade para conhecer Threshold of Night, de Tarik O'Regan, compositor britânico com origem no Magrebe, e ainda Un Dia, da argentina Juana Molina, cantora e compositora "absolutamente brilhante", assegura Manuel Halpern.

A errata deste número: n'«Os livros da próxima quinzena», O Essencial sobre Crítica Literária Portuguesa (até 1940), de Carlos Leone, ficou arrumado na secção «ficção e poesia». Ah! Ah! Ah! -- terá sido mesmo erro?


imagem daqui

O Vale do Riff - Nick Lowe, «Cruel To Be Kind»

terça-feira, setembro 23, 2008

caderninho


Dispensamo-nos de enganar os outros quando nos enganamos a nós próprios. Mas, por isso mesmo que é muito mais difícil enganarmo-nos a nós, estamos sempre a enganar os outros. José Marinho
«Reflexões e Aforismos», presença, n.º 31-32, Coimbra, Março-Junho de 1931

O Vale do Riff - Pete Townshend, «Slit Skirts»

segunda-feira, setembro 22, 2008

Caracteres móveis - Joseph Conrad

O rio parecia vir de nenhures e correr para nenhures. Fluía no vazio. Deste navio, às vezes, saíam canos e homens com lanças nas mãos que invadiam dum momento para o outro o pátio do posto. Vinham nus, dum negro reluzente, eram perfeitos de membros e usavam adornos de conchas brancas e fios de latão ao pescoço. Falavam num blá-blá estranho e gutural, caminhavam com altivez e lançavam com aqueles olhos espantados e sempre em movimento olhares rápidos.


«Um posto avançado do progresso»,
Histórias Inquietas
(tradução de Carlos Leite)

O Vale do Riff - Dire Straits, «Brothers In Arms»

domingo, setembro 21, 2008

acordes nocturnos

terrorismo culinário

Terá sido lapsus auriculae, mas pareceu-me ouvir hoje de manhã a Rosa Veloso, na Antena 1, dizer que a ETA perpetrou os últimos atentados no País Basco com cocktails molotoff .

capismo

capa de José Ruy para Este É o Bom Governo de Portugal, de Tomás Pinto Brandão

edição de João Palma-Ferreira, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1976

sábado, setembro 20, 2008

sexta-feira, setembro 19, 2008

Tesouro de homem é uma rapariga nua.
José Craveirinha

O Vale do Riff - George Thorogood, feat. Eddie Shaw,«Bad To The Bone»

Antologia Improvável #331 - Paulo Teixeira (2)

O ESPÍRITO E O TEMPO

Pudesse elevar-se o espírito acima do tempo,
ser o mundo só um espectáculo comovente,
qualquer coisa de especioso abaixo das nuvens,
e onde a luz ao incidir fosse pura estesia.

Estábulo onde fechados esperamos o drama
por encenar no presente o espaço que é nosso:
chaminés, gólgotas, campos de batalha,
domínio de prazer forense, breve e matizado

pela dor, onde, providos de um costume,
fomos, instruídos em verdades que se ocultam
e sem outra instância de apelação que a morte,
em busca de conforto pelo fim do dia.

Pudesse elevar-se o espírito acima do tempo,
consigo levando nos dedos um pouco de terra queimada;
por pudor não olhasse em baixo o mundo,
já sem relógios e informes profecias,

envolto em luz espectral e fundado no que não existe.


As Esferas e Outros Poemas / Descanso na Fuga para o Egipto

quarta-feira, setembro 17, 2008

caderninho

Procurar dizer a verdade, hoje em dia, tornou-se muito simplesmente um sinal de infantilidade. O homem de verdadeira categoria mental -- é aquele que sabe mentir bem. José Bacelar
Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana

O Vale do Riff - Dexter Gordon, «It's You Or No One»

terça-feira, setembro 16, 2008

estampa CXLII

Amadeo de Sousa-Cardoso, s/título
CAMJAP - Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

restos de humanidade

Se, um dia, algum dos meus livros vier a ser objecto de uma análise forense ou equivalente, certamente serão encontrados pelo menos um destes vestígios:
*cinza;
*dedadas de chocolate (nos cantos superiores das páginas);
*pingos de café, chá -- ou até do nariz;
*areia;
*sal;
*açúcar das bolas-de-Berlim.

O Vale do Riff - Caravan, «A Hunting We Shall Go»

segunda-feira, setembro 15, 2008

Figuras de estilo - Camilo Castelo Branco

Por volta de onze horas, fizemos alta numa aldeia, chamada Aroza, convizinha dos montados por onde se estendia o arraial. Ali reuniu-se connosco uma estúrdia, que vinha dos lados de Cerva, e nesta, os mais graúdos brigões da comarca, homicidas igualmente impunes que arrogantes, e espécie de barões feudais, a cujas barbacãs não ousavam chegar as justiças de el-rei. A cantadeira da estúrdia era uma rapariga de dezoito anos, sécia e talhada a primor, carregada de oiro, mas ainda leve como uma arféloa, saltando quando não cantava, rindo a escâncaras quando não saltava, linda como as dríades dos córregos, alegre como as felicidades das serras. Oh! que moça! Que legião de tentadores demónios ia nela!


«Como ela o amava!», Antologia do Conto Português

O Vale do Riff - The Corrs, «Hurt Before»

domingo, setembro 14, 2008

Antologia Improvável #330 - Isabel Cristina Pires

MAR MORTO

O dia nasceu como um mar morto.
Sem que o barro cantasse. Sem perfume.
Sem que a luz fizesse piruetas de alegria.

Estou dentro de uma hora há mais de um mês,
num lúcido verdete adormecido.
Quero olhar pela janela e não consigo,

só ouço o som do tempo contra a margem.


Deserto Pintado

acordes nocturnos

Um galo sozinho não tece uma manhã
João Cabral de Melo Neto

sábado, setembro 13, 2008

capismo

ilustração de Bernardo Marques para a capa de Terra Fria, de Ferreira de Castro

edição comemorativa dos 50 Anos de Vida Literária, Guimarães Editores, Lisboa, 1966

cartoon - Mighty Mouse / Super Rato


Eddie Donnely, «Dead End Cats» (1947)

sexta-feira, setembro 12, 2008

caderninho



A última coisa que se acha ao fazer uma obra é saber o que se deve pôr primeiro. Pascal
Pensamentos (tradução de Américo de Carvalho)

O Vale do Riff - Camel, «Nimrodel / The Procession / The White Rider»

quinta-feira, setembro 11, 2008

quarta-feira, setembro 10, 2008

Caracteres móveis - Patrick Wilcken

Longe da capela real e do recém-construído teatro estavam a nascer formas diferentes de música que nada deviam às árias e polifonias europeias. Ouviam-se no coração da cidade, quando equipas de escravos cantavam para aliviar os seus fardos, enchendo o ar húmido e quente com cadências africanas que lançavam raízes num novo continente. Os cânticos eram desprezados pelos portugueses poderosos como ordinários, talvez mesmo perigosamente ordinários. Mas foi este conjunto de ritmos distintos que, com o tempo, evoluiu para se tornar em algo muito mais importante do que as dispendiosas imitações europeias que a corte trouxera consigo. Muito depois de o impacto de D. João e da sua missão civilizadora se ter desvanecido, a paisagem cultural da cidade continuaria a exibir o inconfundível cunho da sua alma afro-brasileira.


O Império à Deriva -- A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821
(tradução de António Costa)

O Vale do Riff - Harry James, «Trumpet Blues & Cantabile»

terça-feira, setembro 09, 2008

Antologia Improvável #329 - Helder Moura Pereira

De olhos no copo, e não em mim, articulaste
umas palavras de que só me lembro
que faziam sentido mas não me lembro
qual era o sentido que faziam. Deviam ser
palavras nulas -- de quem escuta ou de quem diz?

As palavras nulas fazem sentido, poderia
ver-te no meio das pancadas no carro
da gente aos urros a festejar uma vitória,
com a cabeça de fora dizendo não façam
isso, sem ninguém perceber que essa tua cabeça
dali a pouco estaria encostada à minha.

E não era só a cabeça. Sempre junto ao mar,
adoravas ver as luzes dos barcos
e se não houvesse barcos o melhor era eu
tirar rapidamente as mãos. Esta é uma canção
ligeira, está agora muito em voga
mas tu não a ouves, claro, só lês Agustina,
só ouves Schubert, só lês Jorge Luis Borges.

Depois foi assim o tempo: o teu sorriso
passou de convidativo a irónico, de tranquilo
a feroz, quanto mais linhas te afundavam
o rosto, mais havia versos antigos
para repetir, pontes muito instáveis
(ora por causa da madeira, ora por causa
das cordas) entre coisas de amor
e coisas de pura atracção. Ninguém prega
no deserto, portanto a solidão não existe.

As palavras nulas fazem barulho,
mas não fazem mais nada, são uma espécie
de dialecto, não incomodam ninguém.
É estranho que haja quem difunda
as palavras nulas (parece um financiamento
para satisfazer um capricho, mas que lucro
se espera obter das palavras nulas?)
e ainda mais estranho que alguma gente,
que parecia decente e culta, as ache
profundas, merecedoras de serem seguidas.


Segredos do Reino Animal

O vale do Riff - James Taylor, «Something In The Way She Moves»

segunda-feira, setembro 08, 2008

domingo, setembro 07, 2008

maciez

Tenho vindo a notar, com bonomia, que, à medida que os anos passam, a minha exigência progressivamente se amacia: já gosto de algumas músicas dos Abba; vou, por vezes, prestando atenção ao Mário Crespo. Mas, por favor!, se alguma vez eu tecer elogios à Madonna ou levar a sério o PSD, não liguem, é a arteriosclerose a pregar-me partidas.

sexta-feira, setembro 05, 2008

caderninho



A justiça engrandece as nações; o pecado é a vergonha dos povos. Colecção Salomónica
Bíblia Sagrada (dos Missionários Capuchinhos)

O Vale do Riff - The Beatles, «Boys»

quinta-feira, setembro 04, 2008

Antologia Improvável #328 José Ilídio

PORMENORES EM UM PAÍS RÚSTICO

A casa da Autoridade ao lado de um jardim gradeado,
um burro para ser alugado,
um reformado que nos mostra o jardim.
Nesta cidade as chaves ficavam pelo lado de fora das portas
e a esperança do lado direito da fé.
Havia uma rua do Sembrano e uma Travessa da Audiência.
Em alguns dias nevava fogo
e a fome corria mais que o vento.
Noutros, qualquer forasteiro plantador de sementes
ficava quinhão da terra.

Beja, 05.10.1988

A 4.ª Letra de J

O Vale do Riff - The Ramones, «Blitzkrieg Bop»

quarta-feira, setembro 03, 2008

acordes nocturnos

Figuras de estilo - Alberto Ferreira

Gosto da mulher aristocrata. Ao Povo dou o meu sentido de justiça. Por ele serei capaz de oferecer a vida, mas ainda não o sei amar. Aproximo-me da arte romântica e descrevo com realismo a sua miséria. Permaneço nesta contradição.
Deambular ao Lusco-Fusco

O Vale do Riff - Sting, «Fragile»

acordes diurnos

terça-feira, setembro 02, 2008

vias rápidas e ruas sem passeios ou passeantes / as árvores deixaram de estacionar nos parques
paulo da costa

Charlie Haden & Liberation Music Orchestra, «Nkosi Sikelele Africa»

segunda-feira, setembro 01, 2008

caderninho


Abominável, adj. A qualidade das opiniões dos outros. Ambrose Bierce
Dicionário do Diabo (tradução de Rui Lopes)

O Vale do Riff - Stan Kenton, «The Peanut Vendor»