domingo, julho 20, 2008

até breve

caderninho

«Vou dizer-te uma coisa, mas é segredo», é um contra-senso. Desde que uma coisa se diz a alguém, deixa de ser secreta. Há coisas que se dizem a qualquer pessoa: são as banais. Há as que se dizem a uma ou outra pessoa: são as confidenciais. Há as que não se dizem a ninguém: são as secretas. Há as que nem a nós próprios nos atrevemos a dizer: são as criminosas. Emílio Costa
Filosofia Caseira

sábado, julho 19, 2008

assuntos sérios

Bar Refaeli
Depois de devidamente instruído pelo blogue do Baruq, recolhido no sítio oficial

sexta-feira, julho 18, 2008

acordes nocturnos

Antologia Improvável #321 - Ana Goês

É DE TI QUE ME LEMBRO

É de ti que me lembro
sempre que Março vem.

(Tinhas oito? nove anos?
Eu também).

Ofegante corri para a minha porta.
E tu direito a mim
depressa me alcançaste.
Abriste-me os dois braços bem abertos
pregaste as minhas com as tuas mãos
-- e me crucificaste.

E a tua boca veio directa à minha
como seta.

Em cima, era um véu movediço e aguarelado.
Corriam nuvens brancas sobre abertas azuis.
Era sol, era sombra, era espaço, era Março, era medo.
...E eram, frente a mim, os teus olhos azuis.

É de ti que me lembro
sempre que Março vem.

Este Intravável Mar / 100 Poemas Recolhidos

O Vale do Riff - Joni Mitchell, «Both Sides Now»

quinta-feira, julho 17, 2008

Figuras de estilo - Ferreira de Castro

Mesmo na sua decadência, era ainda a borracha que movia tudo aquilo, os navios de diferentes portes e os rebocadores de agudos silvos; os guindastes de compridos braços e as vagonetas sobre carris brunidos ao longo dos cais, com um vaivém constante dos estivadores entre a beira da água e a fila dos «galpões», vastos armazéns; e à borracha começava também Alberto a sentir-se incorporado, com uma sensação de fábula, agitado de curiosidade e de temor.


A Selva
foto: Castro com Roberto Nobre, esplanada da «Veneza», Lisboa, década de 1930

O Vale do Riff - Rockpile, «So It Goes»

acordes nocturnos

terça-feira, julho 15, 2008

caderninho

Aquilo que tomamos por virtudes, não passa, muitas vezes, de um conjunto de diversas acções e interesses que a fortuna ou o nosso engenho sabem concertar; e nem sempre é por valor nem por castidade que os homens são valorosos e as mulheres são castas. La Rochefoucauld
Máximas (tradução de Cristina Proença)

acordes diurnos

O Vale do Riff - Champion Jack Dupree, «Ain't That A Shame»

segunda-feira, julho 14, 2008

Antologia Improvável #320 - Fernando Pinto do Amaral (2)

AGOSTO

Em tardes como esta o mar é uma
bênção,
o gesto azul de um deus,
a memória de um tempo sem tempo.

Em tardes como esta cada instante
sabe a eternidade
e o horizonte, este horizonte
é um sinal do que ainda pode ser
isso a que chamam beleza:
uma onda que nasce enquanto outra
morre desfeita em espuma
levando atrás de si o nosso medo,
a nossa esperança demasiado humana,
o pacto que selámos e quebrámos
com os sonhos mais antigos, os que um dia
foram apenas nossos,
mas são agora o mar, sem nome nem
destino,
coisas que vão e fingem regressar
mas já não nos pertencem.


A Luz da Madrugada

O Vale do Riff - Sonny Stitt, «Star Eyes»

domingo, julho 13, 2008

acordes diurnos

imagem daqui

song-heroes

Neil Young consegue combinar uma faceta de escritor de canções -- do melhor que tem a música popular anglo-americana -- com uma desconcertante personalidade de guitar-hero. Desconcertante, porque autêntica, sem cedência à mise-em-scène fácil. Foi o que sucedeu ontem, no Alive! 2008, em Algés. Um concerto notável. E eu não sei como ele, com 63 anos, ainda tem caixa craniana que lhe filtre as distorções da guitarra.
Uma palavra para Ben Harper, que veio depois: a escolha não poderia ter sido melhor. Harper é um músico de mão-cheia, concentra em si a boa tradição musical norte-americana. Tal como Young, percebe que o mundo e a vida são demasiado importantes para não merecerem mais do que canções ligeiras e/ou umbilicais.

sábado, julho 12, 2008

Dylan: uma voz de céu velho passou por cá

Dylan canta cada vez pior a sua música cada vez melhor. Ontem, no Alive! 2008, abriu com Rainy Day Woman e fechou o único encore com Like a Rolling Stone. Cantar, cantámos nós, que ele quase só silabava -- who cares?! Ouvia-o e só me vinha à memória uma expressão magnífica do grande Vitorino Nemésio, que de França, se a memória não me falha, em carta a Lopes-Graça, relatava uma visita do ainda Adolfo Rocha (futuro Miguel Torga) mais ou menos nestes termos geniais: o Rocha passou por cá, como um pedaço de céu velho...
Foi o que me lembrou a voz do Bob Dylan: timbre de céu velho. Mas, ainda assim, céu.

sexta-feira, julho 11, 2008

O mundo que vem da tua ternura inatingível / será sempre um mundo fraco
Mário Dionísio

O Vale do Riff - Roosevelt Sykes, «Gulfport Boogie»

quinta-feira, julho 10, 2008

imagens faxinantes*

este magnífico estudo de Roberto Nobre para um retrato de Assis Esperança, do Museu de Faro, que em tempos recolhi n' O Tonel de Diógenes para publicar no Ferreira de Castro




*depois de faxinar "as minhas imagens"...

O Vale do Riff - Rockestra, «Lucille»

quarta-feira, julho 09, 2008

Tibet (desenhos) & A.-P. Duchâteau (argumento), Ric Hochet -- Puzzle Mortel

Caracteres móveis - Édouard Balladur

Tempos houve em que o conformismo tinha que ver com a tradição, com a conservação dos valores do passado. Hoje, as coisas passam-se de modo diferente: o conformismo passou a ser o culto das ideias novas, ingenuamente provocadoras e é de bom-tom aderir a elas sem qualquer exercício crítico.


Maquiavel em Democracia
(tradução de José A. Pereira Neto)

O Vale do Riff - Carlos Santana, feat. Greg Walker, «Black Magic Woman»

terça-feira, julho 08, 2008

acordes nocturnos

caderninho


Mediante a sua natureza selvagem, o homem liberta-se melhor da sua não-natureza, da espiritualidade... Nietzsche
Crepúsculo dos Ídolos (tradução de Artur Morão)

O Vale do Riff - Peter Gabriel, «Solsbury Hill»

segunda-feira, julho 07, 2008

Antologia Improvável #319 - José Alberto Oliveira (3)

A LEI DE LAVOISIER COM TANGO

Nada se perde:
nem um grão de sal
no grande Mar Atlântico,
nem mesmo
as que caem no chão,
nem as frases
que a actriz esqueceu
e saltou.
Tudo fica registado
e obra consequência:
se o registo é inalcançável,
as consequências são fortuitas;
por isso, amar-se-á
o próximo
como a si mesmo,
ou, se não for possível,
pelo menos
dançar-se-á com ele
um tango argentino.

Não Tão Importante Que Não Possa Ser Dito

O Vale do Riff, Charlie Haden & Kurt Weill (!), «Speak Low»

EEEHHH!!!


domingo, julho 06, 2008

Figuras de estilo - Sophia de Mello Breyner Andresen

O Bispo olhou-o. Era um homem igual a muitos outros. Lembrava a gente de Varzim. Tinha lama nos trapos e a escrita da fome na cara. Nas mãos havia um gesto de paciência. Um gesto muito antigo de paciência. E de repente pareceu ao velho Bispo que todo o abandono do mundo, todo o sofrimento, toda a solidão, o olhavam de frente no rosto daquele homem. Coisa difícil de olhar de frente.


«O jantar do Bispo», Contos Exemplares

sábado, julho 05, 2008

acordes nocturnos


imagem daqui

caderninho



Onde o tempo e a poeira mais se unem é nas bibliotecas. Ramón Gómez de la Serna
Greguerías (tradução de Jorge Silva Melo)

my girls

acordes diurnos

quinta-feira, julho 03, 2008

Antologia Improvável # 318 - José Gomes Ferreira (2)

(Saltimbancos.)
Ao som dum sol-e-dó
vão dois maltrapilhos
a ensinar os filhos
a dançar no pó.
Que pena esta gente sem pão
não ter
imaginação
para sofrer!


Província / Poeta Militante vol. II

O Vale do Riff - Fats Waller, feat. Myra Johnson, «Ain't Misbehavin'»

quarta-feira, julho 02, 2008

Estoril

uns partiam
eu ficava
outros eram presos
eu ficava
alguns morriam
e eu ficava

mundo fora
do mundo e fora
do tempo vestígio
único brilho de
empréstimo quando
tudo à volta era
roto pobre e feio

O Vale do Riff - Little Richard, «Lucille»

terça-feira, julho 01, 2008

Figuras de estilo - Carlos Malheiro Dias

Um vento de loucura ensandecera a população dos paços. De mistura com alfaias da sala do trono, embarcavam catres da criadagem, enxergas, todos os intestinos grossos de um palácio de reis, num estendal de feira indecorosa, que exauria no povo o prestígio da realeza. Cadeiras, onde se haviam sentado princesas e embaixadores, eram conduzidas às costas suadas dos negros, lançadas do cais, em atropelo, como se o pavor se houvesse propagado desde os monarcas aos escravos, em furiosíssima e grotesca desordem. Escombros e destroços juncavam o terreiro. Num aviário imenso da infanta D. Maria Benedita, dúzias de passarinhos das Ilhas jaziam mortos, num flácido monte de asas e penugens, depois de uma noite ao frio.


Paixão de Maria do Céu

capismo

Capa de Pinto Vieira para A Flecha Negra, de Robert Louis Stevenson
Livraria Civilização, Porto, 1977

O Vale do Riff - Tom Robinson Band, «2-4-6-8 Motorway»

acordes nocturnos