terça-feira, fevereiro 28, 2006

Caracteres móveis #64 - Ernesto Sabato

A história é o maior conjunto de aberrações, guerras, perseguições, torturas e injustiças, mas, ao mesmo tempo, ou por isso mesmo, milhões de homens e mulheres sacrificam-se para cuidarem dos mais desventurados. São estes que encarnam a resistência.
Resistir
(tradução de Carlos Aboim de Brito)

Sabato

sábado, fevereiro 25, 2006

Antologia Improvável #106 - Júlio Dantas

VILANCETE

Como quereis que me ria,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Vir um dia a apodrecer,
Se é destino de quem vive,
Outro destino não tive
Desde a hora de nascer:
Como não hei-de sofrer,
Corpo de ouro, se vos digo
Que trago a morte comigo?

Na dor de todo o momento
Meus dias tristes se vão,
E só tenho a podridão
Em paga do sofrimento:
Sombra de contentamento,
Como a terei se vos digo
Que trago a morte comigo?

Nada / Líricas Portuguesas, 2.ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

Dantas

estampa XVIII

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Alfredo Keil, O Aterro em 1881
Museu do Chiado, Lisboa

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Escrever na areia - O país real

A propósito do desgraçado toxicodependente que ontem foi linchado no Porto, o Público de hoje titula a sua edição com a pergunta «Como foi possível?»
Interpreto o trágico episódio como uma persistência do Portugal profundo, do país brutal, oco e grunho, que não tolera a diferença. Em face de alguém que foge à norma, como era o caso da pessoa assassinada -- um travesti, ao que parece -- há no lumpen (em que se incluem os destroços familiares), não apenas compreensão e solidariedade, como uma caução socialmente legitimadora que permite e aplaude a agressão ao marginal, ao freak, ao cromo.
Mas não podemos, creio, resumir este tipo de comportamentos como exclusivamente orientados para os homossexuais. Há sempre o bêbado, o deficiente mental, o louco, o mendigo, alguém susceptível de ser alvo da fúria animal.

Até já

e agora










estes
no
prato.

e também estes

















no carro.

De tarde















estive a ouvi-los.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Mutilações

Alberto Braga (José)
Alberto de Carvalho (José)
Cândido Franco (António)
Eduardo dos Santos (José)
Eduardo Moniz (José)
Ernesto Cartaxo (José)
Filipe Scolari (Luís)
Germano de Sousa (José)
Henrique Cardoso (Fernando)
Inácio «Lula» da Silva (Luís)
Luís Judas (José)
Manuel Mendes (José)

António Alves (Ricardo)

estampa XVII


Pieter Bruegel, o Velho, Casamento Camponês
Kunsthistorisches Museum, Viena

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Figuras de estilo #22 - António Barahona

Só me resta a pobreza extrema de beber à ganância / o meu próprio sangue à falta de vinho bom

Pátria Minha

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Antologia Improvável #105 - Nicolau Tolentino

MOTE GLOSADO

Distâncias e saudades

As nodosas carvalheiras,
Que assombram ermas estradas;
Altas rochas, penduradas
Sobre medonhas ribeiras;
Duras, íngremes ladeiras,
Escuras concavidades;
São as tristes soledades,
A quem meu cansado peito
Conta o mal que lhe tem feito
Distâncias e saudades.

Obras Selectas de Nicolau Tolentino
(edição de Augusto C. Pires de Lima)

Tolentino

Escrever na areia - A má consciência e o aldrabão

A propósito da condenação do pseudo-historiador inglês por um tribunal austríaco.
Dum lado, a má consciência da Áustria pelo seu passado nazi e, provavelmente, as autoridades a quererem mostrar serviço. Do outro, um mistificador que, como escreveu Vasco Pulido Valente n'O Espectro (http://o-espectro.blogspot.com/), deliberadamente manipulou e/ou omitiu as fontes documentais que consultou. Não estamos, por isso, diante da expressão de uma opinião, mas da deturpação de uma realidade histórica -- deturpação essa que tem feito o seu caminho, como se verifica por algum lixo que anda também pelos blogues.
O que de mais repelente tem para mim a aldrabice do negacionismo é que mexe com a dor de muita gente ainda viva que passou por aquele inferno ou o drama também sofrido pelos seus descendentes, igualmente vítimas. (Estou a lembrar-me dessa BD exemplar que é Maus, de Art Spiegelman).
Deve a vigarice ser punida? Deve. Poderá ser contraproducente? Talvez. A pena de prisão é excessiva? Não sei. É, porém, uma saborosa ironia sabê-lo encarcerado na Áustria. Melhor, só uma extradição para Israel...

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Ford Anglia


Conhecido entre nós, em tempos idos, pelo sugestivo nick de Orabolas, hoje está popularizado como o carro do Harry Potter. Para mim foi e será o carro do meu Avô João, o primeiro dele de que me lembro. Tenho ideia de vê-lo lá dentro, de cigarro na boca, talvez de boquilha (fumava muito, tinha uma voz grossa de fumador), com os seus cabelos claros penteados para trás e com um casaco aos quadrados em tons acastanhados, olhando em frente, atento à condução. Morreu cedo, tinha eu oito anos, por isso recordo certos pormenores de indumentária que se esbateriam tivéssemos os dois fruído uma relação mais prolongada.
O Orabolas ostentava aquela cor cinzenta baça e um característico sorriso de peixe de águas frias. O estilo, apesar de banal para a época em que foi concebido, faz hoje as minhas delícias e a de muitos apreciadores.

Orabolas









Era mais ou menos isto...

domingo, fevereiro 19, 2006

estampa XVI

James Gillray, O Plum-pudding em Perigo
Museu Britânico, Londres

Ferreira de Castro

Correspondências #34 - Ferreira de Castro a Jaime Franco

Meu ilustre camarada.
Muito e muito obrigado pela sua carta. É a primeira voz amiga que o Brasil me fez ouvir, depois da publicação dos meus «Emigrantes». Confesso que me magoou o que certos jornais daí escreveram sobre o meu livro, que pode não ter relevo literário, mas que é honesto e realizado à margem de sentimentos mesquinhos ou estreitos. E magooei-me, sobretudo, porque me atacaram sem ler o livro, excepto a «Notícia», do Rio, que, para encontrar matéria condenável... teve de falsificar os textos! Os outros periódicos, guiando-se pela «Notícia», tomaram a nuvem por Juno e vá de me acusarem sem terem visto o corpo de delito. A um deles -- «A Gazeta», de São Paulo -- ainda escrevi uma carta pondo as coisas nos seu lugar. Não sei se a publicou, se não. O que sei é que, tempos depois, mostraram-me um exemplar desse periódico, onde reincidia na acusação. Vi que estava de má fé e renunciei a escrever aos outros jornais que me atacavam. Por isso mesmo, a sua carta fraternal sensibilizou-me imenso. Se eu não fosse internacionalista, se eu tivesse preconceitos de raças, se eu não amasse o Brasil como a melhor recordação da minha adolescência, não me importunariam as calúnias que me atribuíram. Mas assim, não. Desgosta-me, sobretudo, a ideia de que as pessoas que aí me conheceram com sentimentos de fraternidade universal, possam supor que, dum instante para o outro, me tornei jacobino, patriota, adepto de todos os gestos comuns... Eu bato-me pela Humanidade, quer seja branca, preta ou amarela, europeia ou americana, asiática ou africana. Eu sou pelso humildes contra os poderosos, pelos explorados contra os exploradores, quer estes sejam portugueses ou brasileiros, espanhóis ou chineses. Para mim há uma questão social, não há uma questão de raças. Veja o meu ilustre camarada como o «Zé do Aido» que foi para os Estados Unidos, põe este país em pé de igualdade com o Brasil, onde esteve o «Manuel da Bouça». Porque descrevo o Brasil? Porque é o país americano que melhor conheço. E não revelo eu as manhas dos portugueses que traficam com a emigração? O que é o Nunes, agente de passagens e passaportes? Contudo, essas más interpretações deixam sempre alguma coisa desagradável no nosso espírito. Agora mesmo hesito em escrever sobre a selva amazonenese, onde estive cerca de quatro anos, e que tinha planeado há muito. Era a epopeia desse heróico e ingénuo cearense, a quem se deve o desbravamento da selva virgem, que, todavia, é lá explorado e escravizado por uns senhores que vivem nababescamente do trabalho desse sertanejo humilde. Mas encontro-me indeciso em realizar a obra, não vão supor os brasileiros que eu quero ferir-lhes o patriotismo. E mesmo que venha a escrever esse romance, já não estarei à vontade. E é lamentável que isto suceda, devido às más interpretações que alguns jornais do Brasil deram ao meu livro, sem o lerem! Por isso repito, você, que é uma excepção, comoveu-me enormemente. A última vez que estive em Santos, foi em 1919 e é natural, portanto, que me tenha esquecido de alguns pormenores. E se a paisagem do porto de Santos «desiludiu» os imigrantes, é porque a da Guanabara é mais imponente e teatral. Mas lá estão o meu entusiasmo e os meus fortes e quentes adjectivos para os panoramas que se vislumbram da Serra e do Mar, a compensar o seu justo bairrismo. E creia que tenho saudades daí, sobretudo das praias José Menino e Guarujá...
(a) Ferreira de Castro -- Lisboa, abril, 26, de 1929.
In Jaime Franco, Gente Lusa

Jaime Franco















Jaime Franco Rodrigues Junot, de pé, na ponta direita
(direcção da Sociedade Humanitária do Comércio de Santos)

Emigrantes




















Capa de Stuart de Carvalhais (1.ª edição)

Boas maneiras

Peter Gabriel

sábado, fevereiro 18, 2006

Antologia Improvável #104 - João Miguel Fernandes Jorge

RETRATO DE DOM SEBASTIÃO

Ruíram portas. Os velhos muros desmoronaram.
A lua de agosto, temível artesanato de um gnomo astuto
esperava a surpresa das vítimas. E a própria
palavra da língua fez ouvir gritos desentoados

vindos da noite dos tempos. O verão desse ano,
máscara disforme, envergonhada. E o rei,
um rapaz, o reino ameaçava como se faz às crianças
que não querem adormecer.

Os olhos azuis, pisados, desaguam em fantasias.
Sofriam, no severo conjuro adolescente, o juízo
que Platão verteu sobre os efeitos malignos da
arte, da ilusão que causa na lama humana. Havia

sonho, imagem e fazenda a destruir nos afilados dedos
que traziam morte, filme de gelo sobre o derradeiro
verão dos rios da cidade, ó castelos
e o lebréu, fiel, o mais fiel dos súbditos,

dispõe-se a recolher o afundamento
de corpos, barcas e pátria.
E do rapaz, de dezasseis anos ao tempo do retrato,
areia de silêncio envolveu seus ossos. Inquietude,

ânimo, valor ferido.

Museu das Janelas Verdes / A Pequena Pátria

estampa XV

Cristóvão de Morais, D. Sebastião
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Figuras de estilo #21 - Raul Brandão

Destes pobres espezinhados, revolvidos, nascem as coisas eternas -- húmus, amálgama, protoplasma, espírito lácteo, com que se constroem os mundos. Na vala comum os seus corpos, cansados de sofrer, são a vida da terra: as árvores, o pão, as formas, a seiva esplendente. No infinito é da sua dor que se sustenta Deus.
Os Pobres

Raul Brandão

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Uma pérola


Esta capa do álbum dos Big Brother & The Holding Company, Cheap Thrills, saída das mãos do grande Robert Crumb, deve constar de qualquer lista das melhores obras (disco)gráficas de sempre!

Robert Crumb




















Auto-retrato com banjo

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Antologia Improvável #103 - Ângelo de Lima

ESTES VERSOS ANTIGOS

Estes versos antigos que eu dizia
Ao compasso que marca o coração
Lembram ainda?... Lembrarão um dia...
--Nas memórias dispersas recolhidas
Sequer, na piedosa devoção
De algum livro de cousas esquecidas?
--Acaso o que ora canta... vive... existe
Nunca mais lembrará -- eternamente?
E, vindo do não ser, vai, finalmente,
Dormir no nada... majestoso e triste?

Líricas Portuguesas - 2ª Série
(edição de Cabral do Nascimento)

terça-feira, fevereiro 14, 2006

estampa XIV

Júlio Pomar, Almoço do Trolha
Colecção particular, Lisboa

Caracteres móveis #63 - Parménides

...porque pensar é o mesmo que existir.

In Maria Helena da Rocha Pereira, Helade - Antologia da Cultura Grega

Parménides

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Escrever na areia - Comparar o incomparável

Anne Frank teria hoje 73 anos. Ela foi bem real, há amigos e conhecidos que ainda a recordam. O mesmo se passa com a memória de uma parte dos seis milhões de homens, mulheres, crianças, velhos. O seu assassínio a sangue frio -- tal como a execução em matadouro de ciganos, deficientes, homossexuais -- muitas vezes perpetrado com a frieza funcionária que apenas cumpre ordens, ficará como uma das evidências pouco abonatórias da nossa miserável condição humana.
Não quero com isto significar que o Holocausto não possa ser objecto de uma abordagem humorística e satírica. Um notável cartoon de António, há bastantes anos, sugeria que a vítima se tinha tornado em algoz, os judeus israelitas apareciam como carrascos dos palestinianos. É um grande cartoon, concordemos ou não.
Mas...
Nem pensar em comparar o incomparável. É obsceno e revelador da porcaria mental do fanatismo. As pessoas de carne e osso que foram trucidadas pelos nazis têm peso, existiram, somos contemporâneos da sua presença. Abstracções como pastores de camelos, ou filhos de carpinteiros, tocados pelo divino, ficções por mais respeitáveis que sejam as pessoas que nelas crêem, estão por mim relegados para o estatuto do irracional, da milagreirice, das aparições; são para ser discutidas nas igrejas, nas mesquitas, nas sinagogas e não na rua, onde o ar circula. Não me sinto, portanto, obrigado a ser equilibrado e isento no juízo de ambas as manifestações humorísticas. Não seria honesto, não seria decente.
As bibliotecas públicas não aguentam os nossos livros.

Magasin Général

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Magasin Général, de Loisel e Tripp, em curso de publicação na BoDoï, é da melhor BD que tenho lido ultimamente. Argumento consistente, desenhos à altura. Um must da Casterman.

domingo, fevereiro 12, 2006

Boas maneiras

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Jack Bruce

Antologia Improvável #102 - Leonel Fabião

Trazias paveias nos braços,
correndo na verde campina:
Os pássaros nelas poisavam
e leves, esvoaçavam,
beijando teu corpo, menina.
Trazias paveias nos braços
e julgavam que era pão:
Os pássaros nelas poisavam
e, alegres, depenicavam
o que parecia ser grão.
Seguiam-te os segadores
com foices de lua fria.
Inda não se acabara o dia
mas sustavam seus labores.
Céres, na colina, sorria
e seu rosto contemplava
o que, olhando, abençoava.
Grácil, a ribeira corria
e os plátanos procurava,
ciosa da sombra fria
pra da terra não ser escrava.
Correndo na verde campina
tua nudez se mostrava
-- que o teu corpo de menina
só de tranças se tapava...
Seguiam-te os segadores
e os pássaros se assustavam,
vendo já calosas mãos
nos seios em que poisavam.

Trazias paveias nos braços
e julgavam que era pão...
As paveias eram verdes:
Ficaram esquecidas, no chão.

Lodo e Sangue

sábado, fevereiro 11, 2006

Bernardino Machado

Correspondências #33 - Bernardino Machado a Afonso Costa

Meu querido Amigo
No momento em que se torna necessário dar uma nova forma à união dos exilados para integrarmos nela os nossos correligionários recentemente vindos para França, cumpro, deveras reconhecido, o dever de lhe significar, e aos seus dignos colegas quanto me foi grata a camaradagem patriótica que, na perfeita solidariedade com os outros delegados, VV Ex.as me dispensaram nos trabalhos que nos coube realizar para o restabelecimento das livres instituições democráticas entre nós.
Escuso de acrescentar com que empenho desejo ver constituída o mais breve possível a nossa união dos exilados de Paris. Tanto estou certo de que os seus membros continuarão a tradição de manter a estima e generoso civismo que os delegados à nossa precedente união demonstraram sempre em todas as reuniões que tive a satisfação de presidir, sendo os nossos votos aprovados e executados honrosamente pela Liga de Defesa da República e pelo Grupo do Partido Republicano Português sem olharem a sacrifícios.
Aceitem VV. Ex.as os protestos da minha maior dedicação.
Saúde e Fraternidade
(a) Bernardino Machado
Paris, 24-12-928.
In A. H. de Oliveira Marques, A Unidade da Oposição à Ditadura -- 1928-1931

Afonso Costa

Boas maneiras

Peter Frampton

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

estampa XIII

Henri Matisse, Interior em Nice
Art Institute, Chicago

Caracteres móveis #62 - Jean-Luc Nancy

A poesia é, por essência, mais do que e algo de diferente da própria poesia. Ou antes: a própria poesia pode encontrar-se onde não existe propriamente poesia. Ela pode mesmo ser o contrário ou a rejeição da poesia, e de toda a poesia. A poesia não coincide consigo mesma: talvez seja essa não-coincidência, essa impropriedade substancial, aquilo que faz propriamente a poesia.
Resistência da Poesia
(tradução de Bruno Duarte)

J.-L. Nancy

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Antologia Improvável #101 - Luís de Montalvor

DROMEDÁRIO

Sob o crescente de lua,
A alma estagna. O céu consente
(Sem o sonhar ou saber)
Que em minha alma possa haver
Um tão possível oriente.

É-me o sonho o que é negado.
É-me verdade o que crio.
Minha alma é seco areal
E no fundo olhar sorrio
Rumos de febre e coral...

E tu, ó dama da noite
Milenária, que halo te cerca
De enigma a vigília pura?
Dons de unânime ventura:
Morre o sonho quem te perca...

Verdade ou sonho? Que importa
Ao morto olhar o rumo incerto.
Eu sigo o sonho (e cismando!)
Do dromedário pisando
Silêncios do meu deserto...

Líricas Portuguesas - 2ª. Série
(edição de Cabral do Nascimento)

Luís de Montalvor

Telosnossítio


Por cá gosta-se de BD. Tanto que corri ao sítio do Charlie Hebdo para ver la une. Parece que o tema deste número é Telosnossítio, uma obra colectiva.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Dona Janis Joplin


Segundo o sítio de genealogia Genea Portugal, Janis Joplin terá sido descendente de D. Afonso Henriques... Perante isto, não sei o que dizer; mas cabendo-me um quinhão de parentesco com o fundador da nacionalidade, como queria o historiador e genealogista D. Luís Gonzaga de Lancastre e Távora, marquês de Abrantes -- segundo o qual, praticamente todos os portugueses são descendentes do Conquistador --, só me resta impar de contentamento, pelos laços que nos ligam a uma das melhores e mais lindas coisas que os Estados Unidos deram ao mundo!...

Escrever na areia - Retoma

(do post frustrado de 6ª feira.)
Não estou muito interessado em saber se a decisão de publicar as caricaturas de Maomé pelo jornal dinamarquês teve por base uma atitude sensacionalista e oportunista. (Nesta altura do campeonato já me são irrelevantes os eventuais propósitos racistas e xenófobos do tal Correio da Jutlândia, por mais odiosos.) O que me importa é a firmeza que a Europa deve demonstrar contra o fanatismo a minar-lhe a casa.
Um bom exemplo dessa firmeza é a controversa «lei do véu» francesa, tão mal vista pelos arautos do politicamente correcto, prontos, em nome não se sabe bem de quê, a subvalorizar a situação das mulheres islâmicas na França dos subúrbios, fortemente coagidas a cobrirem-se, intoleravelmente condicionadas na sua vivência quotidiana, por muito que os activistas islâmicos o queiram negar.
A Europa é uma realidade complexa que se construiu na base do seu autoquestionamento. Dizer Europa é, apesar de tudo, dizer laicidade, pensamento livre. Dentro das suas fronteiras -- nas da União Europeia, pelo menos --, deve opor-se, com todo o vigor, à censura, à chantagem e ao medo. E se em nome da liberdade permite aos muçulmanos que vivem no seu seio o maior respeito pelas suas tradições, não pode mais ser tolerante para com as práticas que colidam com a liberdade de todos os cidadãos, cristãos, muçulmanos, ateus ou animistas. Quem assim não compreender, sendo estrangeiro, não tem lugar entre nós, e terá de ser deportado, naturalmente; se for nacional e se servir das crenças para atentar contra a liberdade dos seus concidadãos, tem de ser criminalizado.
Nas últimas décadas, as nações livres opuseram-se e derrotaram o nazismo, serpente gerada no seu seio; derrotaram uma abstracção para-religiosa denominada comunismo soviético que, pretendendo criar um paraíso na terra para o «homem novo» por si gerado, redundou na monumental mentira dos gulags e da burocracia. O combate terá de ser feito de novo cá dentro, higienicamente, sem guerras de religião nem tiro ao mouro, com toda a firmeza, porém, sem complexos colonialistas, que para esse peditório já muitos países europeus deram! A agitação das massas em fúria provém, é verdade, da manipulação política feita por aqueles a quem aproveita um «Ocidente» mantido em sentido. Os governos dos países com uma larga minoria islâmica terão naturalmente de lidar com sabedoria e prudência em face da turba excitada; mas os instigadores terão de ser reprimidos. É para nós uma questão de sobrevivência.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

estampa XII

Rembrandt, Ronda da Noite
Rijksmuseum, Amsterdão

Caracteres móveis #61 - Álvaro Lins

Se fôssemos definir a posição política de Eça de Queiroz em termos dos dias de hoje diríamos que ele foi um artista de esquerda, mas sem disciplina de qualquer natureza. Era um sentimental, um ser humano que se indignava e se revoltava contra a injustiça, onde quer que se encontrasse. Um espírito livre, uma inteligência independente, uma força de inquietude e de renovação. Amava as crianças, os simples e os degraçados.
Posição política de Eça de Queiroz
[Livro do Centenário]

Álvaro Lins

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Antologia Improvável #100 - Rebelo de Bettencourt

ANSIEDADE

A Rui Galvão de Carvalho

Escrevo e sofro... Em cada verso inteiro
Fica-me a alma entre um soluço e um ai...
-- Eu molho a pena, sim, no meu tinteiro,
Mas é do coração que a tinta sai!

Na carne dos meus versos, reparai,
É que eu me vejo e sinto verdadeiro.
-- Neles prendesse a vida que se esvai
E o meu fim não viria tão ligeiro!

Ah, nunca mais morrer! Ambição louca!
Ser imortal, andar de boca em boca,
Nos versos que componho -- anseio atroz!

Desse às palavras o meu sangue quente:
-- Já que viver não posso eternamente,
Eterna, ao menos, ficaria a voz!

Vozes do Mar e do Vento

domingo, fevereiro 05, 2006

Boas maneiras

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Andy Latimer

Nemésio

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Correspondências #32 - Vitorino Nemésio a José Régio

Montpellier
(Collège des Écossais,
Plan des Quatre Seigneurs),
25 de Novb.º 1934.
Meu caro José Régio
Deixe-me exprimir-lhe antes de mais, antes da crítica e de tudo a minha admiração, surpresa, encanto, entusiasmo, fé (e que mais?) pela leitura do seu livro. Vou apenas a págs. 258, mas já fui agarrado, senão rigorosamente desde o príncípio, desde bastante no começo. Assim é que estou faltando ao planos que traçara: ler o seu livro apenas em viagem, e até onde chegasse a viagem. E é curioso que isto se tenha dado quando uma das coisas que terei a dizer-lhe é que o seu livro não é romance senão por alguns aspectos. Mas veja já, veja imediatamente como a intrusão da crítica numa impressão sincera e complexa é uma coisa limitante, além de poder ser uma espécie de pedrada... Não; o seu livro é uma fortíssima e extraordinária coisa. Extraordinária para nós portugueses; comum talvez só para uma das duas estreitas dúzias de escritores do mundo. E de novo lhe estraguei o que lhe digo com esta inclinação aldeã de colocar a «música» da terra num plano de «música» de outras terras! Nacionalismo, meu caro José Régio, e vícios de uma fácil «Literatura Comparativa», -- manhas de professor... A verdade é que eu queria passar-lhe para aqui, quase sem meditação (e sobretudo sem premeditação) a porção de coisas que estão a flutuar cá dentro e que me vêm jogadas do seu livro: a poesia extraordinária que nele pulsa; a prosa corrente e ao mesmo tempo rara com que é feito -- rigorosa e ondulante, toda afinada pelo timbre português sem perder nada do tom pessoal de quem a escreve e da cadência a ideias e sensações de toda a parte. Nem quero calcular, organizar esta comunicação do que sinto, e é bem triste afinal que as correntes que nos atravessam tenha a necessidade de fios!
Há páginas em que V. atinge a luminosidade de toda a expressão que conseguiu libertar-se dos seus meios ou da consciência deles para chegar à terrível ou inefável nudez do inexprimido -- e lembro esta página a que já cheguei hoje, 26, dia em que continuo esta carta (p. 323). Aí V. justifica involuntariamente, com naturalidade genial, a escolha do Discours de la Méthode p.ª título das duas Mem.as de Jaime Franco, quando é levado a suspeitar da inutilidade do seu «relatório» e da sua possível gaguez em face da «força de sistematização e propriedade da linguagem dos filósofos e dos sábios». Divina gaguez essa que «tritura» (um verbo de V.) as mil e uma contradições do suceder íntimo e do pensamento dele, multiplicado e reproduzido até à saciedade e à dor, recaído depois em novas fornalhas do «monstro» e outra vez levado ao tenso fulgor da reflexão.
Paro por aqui, por que me apeteceria não acabar. Não toco nos motivos porque o seu livro não é inteiramente romance. V. conhece-os. O seu livro, aliás, não sendo romance, é muito mais. E não sei porque me surge como uma dessas mensagens de cumieira: umas Confissões de St.º Agostinho, ou assim. De censurável (e até de fastidioso) só certas páginas em que Serra contracena com os rapazes do Grupo e não se sabe porque motivo -- social e lógico motivo -- se zangam, formalizam, melindram ou amuam. Confesso que aí cheguei muitas vezes a enfadar-me e a amarrotar as páginas, furioso consigo... Mas saio do Jogo da Cabra Cega com uma impressão decididamente forte, muitas vezes empolgada, -- e (deixe-me dizer-lhe) com uma sensação de pequenez minha, da mediocridade dos meus meios, que oxalá o seu exemplo, tornado estímulo, ajude a transformar nalguma coisa de melhor. Um grande abraço do
Nemésio.
In Eugénio Lisboa, O Objecto Celebrado

Régio

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sábado, fevereiro 04, 2006

Declaração de interesses

estampa XI

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Vincent van Gogh, Noite Estrelada
Museu de Arte Moderna, Nova Iorque