segunda-feira, junho 27, 2005

Até já

Estou cheio de vontade de postar; apetecia-me pôr aqui as caras do Macherot e do Galsworthy, mas tenho de partir cedo, naquela estrada. Fica para daqui a uns dias. Desejem-me sol.Posted by Hello

domingo, junho 26, 2005

Padre António Vieira

Retrato de Arnold van Westernhout Posted by Hello

Correspondências #6 - Padre António Vieira a D. João IV

Senhor:

Com esta remeto a Vossa Majestade a relação do que se tem obrado na execução da lei de Vossa Majestade sobre a liberdade dos índios. Muitos ficam sentenciados ao cativeiro por prevalecer o número dos votos mais que o peso das razões. Vossa Majestade, sendo servido, as poderá mandar pesar em balanças mais fiéis que as deste Estado, onde tudo nadou sempre em sangue dos pobres índios, e ainda folgam de se afogar nele os que desejam tirar perigo aos demais. Contudo se puseram em liberdade muitos, cuja justiça por notória se escapou das unhas aos julgadores. Tudo o que neste particular, e nos demais se tem obrado a favor das cristandades, e em obediência da lei e regimento de Vossa Majestade, se deve ao governador André Vidal, que em recebendo as ordens de Vossa Majestade, se embarcou logo para esta capitania do Pará, a dar à execução muitas coisas, que sem a sua presença se não podiam conseguir. Se o braço eclesiástico ajudara ao secular, tudo se pusera facilmente em ordem e justiça; mas, como as cabeças das Religiões têm opiniões contrárias às que Vossa Majestade manda praticar, estão as consciências como dantes, e o que não nasce destas raízes dura só enquanto dura o temor. Já dizem que virá outro governador, e então tudo será como dantes era; e eu em parte assim o temo, porque todos os que cá costumaram vir até agora traziam os olhos só no interesse, e todos os interesses desta terra consistem só no sangue e suor dos índios.
De André Vidal direi a Vossa Majestade o que me não atrevi atègora, por me não apressar; e, porque tenho conhecido tantos homens, sei que há mister muito tempo para se conhecer um homem. Tem Vossa Majestade mui poucos no seu reino que sejam como André Vidal; eu o conhecia pouco mais que de vista e fama: é tanto para tudo o demais, como para soldado: muito cristão, muito executivo, muito amigo da justiça e da razão, muito zeloso do serviço de Vossa Majestade, e observador das suas reais ordens, e sobretudo muito desinteressado, e que entende mui bem todas as matérias, posto que não fale em verso, que é falta que lhe achava certo ministro grande da corte de Vossa Majestade. Pelo que tem ajudado a estas cristandades lhe tenho obrigação; mas pelo que toca ao serviço de Vossa majestade (de que nem ainda cá me posso esquecer) digo a Vossa Majestade que está André Vidal perdido no Maranhão, e que não estivera a Índia perdida se Vossa Majestade lha entregara. Digo isto porque o digo neste papel, que não há-de passar das mãos de Vossa Majestade, e assim o espero do conhecimento que Vossa Majestade tem da verdade e desinteresse com que sempre falei a Vossa Majestade, e do real e católico zelo, com que Vossa Majestade deseja que em todos os reinos de Vossa Majestade se faça justiça e se adiante a fé. A muito alta e muito poderosa pessoa de Vossa Majestade guarde Deus como a Cristandade e os vassalos de Vossa Majestade havemos mister. Pará, 6 de Dezembro de 1655.
António Vieira
Cartas
(edição de Mário Gonçalves Viana)

Antologia Improvável #23 - José Tolentino Mendonça

UMA COISA A MENOS PARA ADORAR

Já vi matar um homem
é terrível a desolação que um corpo deixa
sobre a terra
uma coisa a menos para adorar
quando tudo se apaga
as paisagens descobrem-se perdidas
irreconciliáveis

entendes por isso o meu pânico
nessas noites em que volto sem razão nenhuma
a correr pelo pontão de madeira
onde um homem foi morto

arranco como os atletas ao som de um disparo seco
mas sou apenas alguém que de noite
grita pela casa

há quem diga
a vida é um pau de fósforo
escasso demais
para o milagre do fogo

hoje estive tão triste
que ardi centenas de fósforos
pela tarde fora
enquanto pensava no homem que vi matar
e de quem não soube nunca nada
nem o nome

Baldios

José Tolentino Mendonça

Fonte: Diário de Notícias da Madeira Posted by Hello

sexta-feira, junho 24, 2005

Díptico Iraquiano

1.
SADDAM HUSSEIN EM CONFERÊNCIA ÍNTIMA

Diz as maiores barbaridades diante uma audiência restrita e escolhida.
Fingem que sorvem as suas palavras, como se de ensinamentos do Profeta se tratasse (ou sorvem-nas realmente, para decifrarem o mistério que reside em cada tirano).
Saddam perora, sentencia, pára de falar por segundos que parecem eternidades.
Como que alheio à tragédia que ele próprio é.
I-2003
2.
EMBARQUE
(os marines rumam ao Golfo Pérsico)
Vai, despede-te do pai.
Vai matar ou morrer no
deserto.
As lágrimas embaciam-te
os óculos, e não percebes,
meu pequeno, porque há
homens maus a afastá-lo
de ti.
America will prevail.
Oh yes. Democracy,
como sempre.
Ainda não o sabes, mas
já o perdeste, pequeno.
Mesmo de volta,
virá com a morte
nos olhos. A morte
dos que têm o teu
tamanho, pequeno.
2-VI-2003

Caracteres móveis #22 - Eduardo Guerra Carneiro

Já poeta não sou se a voz eu calo
e nesse estado estou, que é não estar.

Já Poeta

quinta-feira, junho 23, 2005

Native north american child

Buffy Sainte-Marie é uma cantautora índia cree que me conquistou com Soldier Blue. A sua voz tem o timbre da tragédia, o timbre metálico da incredulidade ante o absurdo da destruição -- mas também, quando se esquece, o tom suave da gratidão pela vida, apesar de tudo.

Buffy Sainte-Marie

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Antologia Improvável #22 - Vinicius de Moraes

POBRE DE MIM

Pobre de mim
Sonho tanto em ser alguém que não sou
Por exemplo, uma mulher toda assim
Feito a Marilyn Monroe

Já eu, enfim
Não inspiro um grande amor a ninguém
Na verdade, se eu pareço com alguém
É o Popeye, the sailorman
Que mau destino
Não aguento este meu ar de menino
Quem me dera casar com um grã-fino
Ou com um rei, porque não?

Eu não sei a ligação
Eu só sei que dava tudo de mim
Para ao menos parecer Marilyn
E viver um grande amor

Livro de Letras

(edição de José Castello)

Vininha

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quarta-feira, junho 22, 2005

Johannes Brahms

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Brahms

Já se deram conta do balanço dos Quartetos com Piano de Brahms?

Caracteres móveis #21 - Jorge Luis Borges

Ler, para já, é uma actividade posterior à de escrever: mais resignada, mais cortês, mais intelectual.
História Universal da Infâmia
(tradução de José Bento)

Borges

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Bor-rrés

E há aqueles irritantes que pronunciam Ror-rrê Luíce Bor-rrés...

terça-feira, junho 21, 2005

Antologia Improvável #21 - Pedro Alvim

TOQUE

Súbito
um toque
no fundo
de mim.

«Está lá?»
-- perguntei.
E logo vieram
nomes sem fim

-- mas só de mim
e em mim
a mim me falava.

A Espera dos Dias

segunda-feira, junho 20, 2005

Babylon's burning

Ruts, grupo da segunda vaga punk. Memória do álbum de estreia, The Crack (1979), e da voz insurgente de Malcolm Owen, acabado de morrer. Quem ouviu «Savage circle», compreende a beleza dos motins.

Ruts

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domingo, junho 19, 2005

Félix, Modesto e Pompom

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Um reencontro

Inesperadamente vi, aqui na Bulhosa de Cascais, um álbum de Modesto e Pompom, a primeira série da chamada BD franco-belga com que tive contacto, quando in illo tempore, a minha Mãe chegou a casa com um magnífico volume encadernado da revista Tintin -- oferta que deixou em mim uma marca profunda, bem visível muitos anos depois... Esta série, tão discreta quanto importante, criada por André Franquin, continuada por Attanasio, Mittéï (autores, respectivamente, de Spaghetti e de O Incrível Désiré) e vários outros, gira em torno do irascível Modesto, a namorada Pompom, contraponto de bom-senso, de Félix, um vendedor de inutilidades, além de três sobrinhos pestes -- condimentos para diversas peripécias de grande comicidade. Já foi apontado que Franquin começou a ensaiar em Modesto e Pompom os esquemas insanes que depois vamos encontrar em Gaston Lagaffe; mas poderemos também vislumbrar algumas situações que este autor iria explorar nas Ideias Negras, a expressão do seu lado mais sombrio. Em http://bdoubliees.com/, podem encontrar a impressionante lista de argumentistas que colaboraram com estes e outros desenhadores: Peyo (Schtroumpfs), Tibet (Ric Hochet, Chick Bill), Greg (Achille Talon, Bernard Prince, Comanche, etc., etc.), Van Hamme (História sem Heróis, XIII), Godard (Martin Milan), entre vários outros...

Franquin, o sítio

Posted by Hello http://www.franquin.com

No Child Labour

Um desenho vale mais do que mil palavras... No Porque Morremos, Senhor?, link aqui ao lado. Posted by Hello

Antologia Improvável #20 - Artur do Cruzeiro Seixas

Queria que esta árvore me olhasse
como eu a olho
secretamente e sem remédio.

Amo a paisagem
cada vez mais
indecifrável
pássaro que voa nos dois sentidos
com a morte loucamente colorida
por fiel companhia.

Áfricas 955
Obra Poética, vol. I

Cruzeiro Seixas

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sábado, junho 18, 2005

Correspondências #5 - José Régio a João Gaspar Simões

Coimbra, 18 de Fevereiro de 1927

Meu caro Simões:

Recebi a sua carta, justamente quando pensava em lhe escrever. Muito lhe agradeço o ter pensado tanto no jornal e em mim que se me antecipou. As notícias são: O Branquinho partiu há 8 dias para Lisboa, de modo que fiquei sozinho em Coimbra a preocupar-me com a saída do primeiro número da Presença. Escrevi a alguns presuntivos colaboradores da dita, e recebi: Versos do António Navarro (de que Você gostará mais que do Soneto da Contemporânea); informação do Mário Saa de me mandar brevemente qualquer coisa; informação do Martins de Carvalho de mandar também brevemente um trecho da sua dissertação; esperanças do meu irmão de também brevemente mandar um desenho com algumas palavras sobre arte. Logo que todos estes «brevemente» sejam «presente» -- o número sairá. Além desta colaboração, o primeiro número terá: Versos do Branquinho, do Bettencourt e do Fausto; prosa sua, do Almada e minha. Como vê, já a dificuldade de encher espaço vai sendo substituída pelo do espaço para conter... No entanto tudo se arranjará, e creio que o primeiro número da «Presença» gritará de facto: Presente! Peço-lhe para mandar o seu artigo logo, mesmo logo, que esteja pronto. Queria escrever-lhe mais, mas escrevo-lhe da Central, e com uma pena de tinta permanente... Quer isto dizer que a tinta me falta a cada palavra que escrevo, porque nunca me afiz a semelhantes viadutos de tinta. Escreva, sim? e, uma pergunta: Quando vem dar uma fugida cá?
Saudades dos amigos, e um abraço do
José Maria dos Reis Pereira
In João Gaspar Simões, José Régio e a História do Movimento da «presença»

João Gaspar Simões, por Mário Eloy

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sexta-feira, junho 17, 2005

Nojo


É o meu nojo, e não o meu ódio, que me devora a grandes dentadas a vida!
Nietzsche
Se cheguei a odiar alguém, estimei-o antes, depois lamentei-o, por fim veio o nojo, que me levou à execração do ódio.

quinta-feira, junho 16, 2005

Antologia Improvável #19 - António Barahona

NÚRIA

A lentamente bela bruxa cisne magro
A lentamente mate cor do pão de trigo
A lentamente Núria de navalha e ligas

Ah lentamente o corpo se compara ao cubo
e muda as asas quentes em arestas frias!
Mãos vestidas de roxo a festejar tristeza
em Sexta-feira Santa d'oração medonha!

Ah lentamente a Espanha em procissão nas ruas,
cabelos desgrenhados mais guitarras nuas!
Ah Núria, rosa-névoa, lâmina de pétalas
a recortar raízes dos meus olhos d'húmus!

Ah lentamente lentamente aponto e estico
o arco: assobia a flecha no teu flanco
e, de repente, no meu sangue flui um barco

Paço d'Arcos, 13.X.72
Noite do Meu Inverno

quarta-feira, junho 15, 2005

A prosa,

é do que mais gosto da poesia de Eugénio de Andrade. Quando nasci, já ele era um poeta célebre; quando tomei consciência da obra poética, já ela acusava um excesso de auto-referência -- «sílaba a sílaba», e outros bordões semelhantes; mas a beleza da sua prosa desde logo me conquistou. Nunca mais me esqueci de uma brevíssima passagem de um texto evocativo de Raul Brandão: «Era um poeta -- às palavras estava condenado»... Conheci-o superficialmente: investido, certa vez, de pouco invejáveis funções de representação, fui mostrar-lhe, e ao afilhado Miguel, toda aquela zona fantástica que vai do Guincho à Biscaia, ainda dentro dos limites de Cascais, pouco antes de alcançarmos o Cabo da Roca. Uma vez parado o carro, e calcorreando aqueles ermos ventosos, fiz os possíveis e os impossíveis para que ele não visse uma quantidade inusitada de cachos de bananas a apodrecer, que um javardo qualquer para ali tinha deitado à socapa, sabe-se lá porquê... Fui bem sucedido, felizmente. Daí a dias, recebíamos um testemunho magnífico, que seria publicado numa das revistas cá da terra. O Abencerragem oferece-se um excerto, um pouco mais abaixo, nas «Figuras de estilo».

Eugénio de Andrade

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Figuras de estilo #4 - Eugénio de Andrade

Era um dos mais formosos lugares da nossa costa, tudo ali convergia para a perfeição: a luz, esta juvenil e orvalhada luz do sul que foi sempre a minha; o mar antigo, às vezes de safira transparente, às vezes brutal de paixão ou de cólera; a vegetação chã a caminho da falésia, que se vai adensando e crescendo à medida que o olhar se distancia; o inverosímil perfil crepuscular da Serra de Sintra; o silêncio só raramente quebrado por um carro, cujo ruído depressa se extinguia -- pois quem poderia fugir ao feitiço de um lugar assim?
Cumplicidade Feliz, in Boca do Inferno, nº 2

terça-feira, junho 14, 2005

Fritura de Miolos

Era o título da secção de charadas da histórica revista ABC, publicada todas as semanas por Rocha Martins e Carlos Ferrão, nos anos vinte do século passado...

Que saudades...

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Antologia Improvável #18 - Fernando Cabrita

E DE SÚBITO, EIS

E de súbito, eis que aprendo
a grande hegemonia de todas as coisas.
Raparigas cruzavam a Edgware Road inteira
perdendo-se pela Marylebone
com ares de fantasmas
e do meu lugar junto a King's Arms,
tendo por cima o cartaz
anunciando o concerto de Johnny Cash
e na mão a cerveja arrefecida,
eu podia vê-las passar e quase diriam que eram belas,
e contudo mais não eram que o epítome
de toda a geração
e passavam de novo
com livros acabados de comprar
em qualquer antiquário
e com perfumes baratos
ou roupas de cores mortas
ou grandes romances de amor
por dentro das cabeças fantásticas,
fazendo nascer em mim a danada ânsia do poema.
E escrevia então um que começava «e de
súbito eis que aprendo
a grande hegemonia de todas as coisas»
e o poema doía-me
como se milhões de agulhas me florissem no corpo,
já o sol fracamente iluminava a cidade
e Edgware Road ficava deserta,
cruzada apenas por fantasmas
com ares de raparigas
que teriam decerto sido belas
e que não eram agora mais que
o epítome de toda a morte,
e eu ficava a vê-los passar,
perdendo-se para Marylebone ou Harrowby,
repetindo para que a noite me ouvisse
que
de súbito,
eis que aprendo a grande hegemonia de todas as coisas.

O Portão das Colinas do Nada (Poemas da Cidade de Londres)

Figuras de estilo #3 - Carlos Malheiro Dias

Quisera poder trazer-vos, não uma exortação beliciosa de patriotismo; não os brados agitadores com que o ambicioso César acordava, ao despontar da aurora, as legiões impacientes nos seus acampamentos da Gália; mas a emoção que pode caber na palavra a mais humilde quando a inspira e ilumina a fé contagiosa: palavra igual à água pura que D. Sebastião bebia por um púcaro de Estremoz no banquete ao Legado do Papa, quando os convivas esvaziavam, ao som das trombetas, as copas de ouro, transbordantes de vinhos da Sicília e de Chipre.
Exortação à Mocidade

Glásgua

É uma cidade da Escócia.

domingo, junho 12, 2005

Júlio Dinis

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Correspondências #4 - Júlio Dinis à sua sobrinha, e futura mulher, Anitas

Anitas
Não te escrevi logo que cheguei, mas não te fiz esperar muito, porque é esta a terceira carta que mando para o correio.
Dizendo-te que cheguei a salvamento a esta vila de Ovar e que continuo gozando uma boa disposição de corpo e de espírito, dou-te a única notícia que neste momento me é possível dar-te; a não ser que desejes que eu te fale no tempo porque nesse caso dir-te-ei que anteontem e ontem choveu desenganadamente, coisa de que muito gostei por já estar mal habituado a essas finezas do inverno, do qual vou sentindo saudades.
Ontem de tarde parecia-me um dia de magustos, pela escuridão, pela chuva e até pelo tocar dos sinos a defuntos. Tinha morrido não sei quem e, em homenagem, todos os sinos da terra executavam cabriolas atordoadoras.
Hoje aparece o tempo com uma cara menos rabugenta, mas já se pode andar pelas ruas sem receio de morrer de calor ou de voltar para casa com uma cor semelhante à de uma batata assada na fornalha.
Tudo isto me indica que o verão anda fazendo as suas despedidas, porque em breve nos vai deixar. Que vá, que vá; para falar a verdade, eu não hei-de morrer de saudades.
Brevemente haverá cá em casa a primeira desfolhada; o outro sinal de que está o inverno à porta. Eu já vou vestindo o meu casaco grosso para o receber como é devido, no momento de ele vir para aí de um momento para o outro.
E tu que fazes? Quando principiam as tuas férias e que fazes depois delas principiarem? Vens a Ovar, vais tomar banhos ou em que outra coisa te ocupas? Responde-me a estas perguntas, quando me escreveres. Faze visitas à mamã, tia, manos e a toda a família e supõe que te dá um abraço
Ovar, 28/8/1863.
o teu tio e sempre muito amigo
Joaquim Guilherme Gomes Coelho.
Cartas e Esboços Literários, edição de Egas Moniz

sábado, junho 11, 2005

Different strings

Quando pensava que o chamado rock progressivo, tão da minha predilecção, já havia dado tudo quanto tinha para dar, por exaustão, por autoplágio ou simplesmente por natural deriva para outras realidades sonoras (v.g. Gabriel, Hammill, Fripp), apareceram-me uns canadianos de Toronto -- aliás, já com meia dúzia de anos de estrada -- e um álbum intitulado sintomaticamente Permanent Waves (1980), como a querer dizer que havia mais rock para lá da new wave (enfim, já ela então também agonizante, ou em mudança). Guitarra potente, baixo criativíssimo com laivos jazzísticos, bateria pronta para tudo, sintetizadores q.b., voz adequada e facilmente identificável. Não me canso de os ouvir, desde essa época.

Geddy Lee

Guitarra-baixo e voz dos Rush Posted by Hello

quinta-feira, junho 09, 2005

Caracteres móveis #19 - Raul Brandão e Júlio Brandão

[...] o mundo ri-se, põe-se a rir do que não entende e magoa e até mata... Ri-se do que é elevado, ri-se do que é sagrado!
A Noite de Natal
(edição de José Carlos Seabra Pereira)

Raul Brandão

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quarta-feira, junho 08, 2005

Antologia Improvável # 17 - Adalberto Alves

O lenhador caminha curvado pelo peso.
Leva às costas séculos de madeira:
Queima-la-á para se aquecer um instante.
Oriente de Mim

terça-feira, junho 07, 2005

Humanidade

A doçura daquela
voz a tristeza daqueles
olhos o calor da
trompete de
Armstrong o segregado
desmentindo o ódio

Acabei de ouvir o «My Bucket Get's a Hole in It», no Let's Jazz em Público, de José Duarte, colectânea dedicada a Satchmo.

Louis Armstrong

Posted by Hello

segunda-feira, junho 06, 2005

Fabulástico

Fabulástico... A minha filha Joana chegou-se-me cá a casa com esta... Fabuloso? Fantástico? Espantástico!...

domingo, junho 05, 2005

Caracteres móveis #18 - Adolfo Casais Monteiro

(...) a miséria da erudição portuguesa é esta: que os eruditos, ou tratam apenas de averiguar coisas que não interessam a ninguém, a não ser a outros eruditos, ou então deixam ainda mais intricados os problemas sobre os quais pretendem fazer luz.
Sobre o Romance Contemporâneo

Querelas literárias

A propósito da leitura dos dois ensaios que compõem o voluminho Sobre o Romance Contemporâneo, publicado em 1940 e redigido um par de anos antes, na prisão:
Casais Monteiro, um poeta menor, foi um excelente ensaísta, dos melhores do seu tempo. Havia então uma querela entre a chamada literatura humanista, neo-realista, que tinha os mais estrénuos defensores em Mário Dionísio e Álvaro Cunhal e, doutra parte, aqueles que, acusados de «psicologismo», elitismo e até de desumanidade -- porque não punham os problemas materiais do homem na primeira, ou na segunda, linha das suas preocupações enquanto artistas -- gravitavam em torno da revista presença. A história veio dar razão a Casais, a Régio e a Gaspar Simões, directores da folha coimbrã, não porque o outro lado não tivesse autores de primeira água, que os tinha, simplesmente porque o que sobrevive hoje dessa literatura tem que ver com questões de todas as épocas: por um lado, o homem visto como um problema total, não só material mas também espiritual; por outro, os aspectos da técnica literária, principalmente narrativa, que uma boa parte dos escritores política e/ou socialmente empenhados dominavam muito bem. A querela aludida acima, se hoje (nos) é risível, causou então fortíssimas polémicas, interessantíssimas historicamente, mas que actualmente seriam, mais do que intoleráveis, ridículas...

ETC

Pelo http://almocrevedaspetas.blogspot.com (estou para ver como é que o link sai) soube da morte de Eduardo Teixeira Coelho/ETC/Martin Sièvre, pseudónimo que utilizou. Não é um autor da minha formação, conheço-o mal, o suficiente, porém, para reconhecer à distância o seu enorme talento. Poderia talvez ter sido um nome mais conhecido na Europa da BD se as circunstâncias que lhe condicionaram o percurso artístico (que em grande parte desconheço, para além da desvantagem da nacionalidade) tivessem sido outras. Não obstante, fez parte, este ano, da lista de autores estrangeiros nomeados para um prémio do Festival de Angoulême, o mais importante de todos. Aqui fica uma homenagem.
Vinhetas de Eduardo Teixeira Coelho Posted by Hello

sábado, junho 04, 2005

Correspondências #3 - D. Francisco de Portugal a D. Rodrigo da Cunha, bispo do Porto

V. Senhoria sempre me faz mercês: eu as tenho por tão infalíveis como quem conhece o ânimo de V. S. e como quem lho não desmerece com o seu ânimo. Por cá, tudo são desastres: Francisco Rodrigues Lobo morreu afogado no Tejo, que até nas águas há ingratidões! Na desgraça foi poeta. E enfim era entre nós só o que imprimia. Mortes de fogo também não faltarão. De dar e tirar a vida servem os elementos. A D. Rodrigo Caldeirão não faltam versos castelhanos nem portugueses, inda que maus. Eu também atirei ao alvo mas errei, como costumo. V. S. o verá neste soneto, porque vai de outra letra para que se leia bem. Fico ao serviço de V. S. como sempre. A quem Deus guarde e toda esta casa pede benção.
Lisboa, a 6 de Dezembro de 1621.
Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal

Antologia Improvável #16 - Antero de Quental

EVOLUÇÃO

(A SANTOS VALENTE)

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onde, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem -- e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

Sonetos Completos, edição de Oliveira Martins

quinta-feira, junho 02, 2005

Pintura e bate-chapas

AutoAlmada não é um stand de automóveis, AutoColumbano não fica na avenida lisboeta, AutoManta não se especializou no mítico modelo da Opel; são simples abreviaturas de auto-retratos de alguns pintores n'«os meus documentos».

AutoAlmada

Posted by Hello Um auto-retrato de Almada Negreiros

quarta-feira, junho 01, 2005

Sol de Junho

O sol de Junho irradia,
sem se extinguir a moinha
a chover-nos dentro.

Somos atravessados pela melancolia,
choro intenso de lágrimas secas.

Trazemos em nós o próprio feto,
que continuamente violentamos.

VI-2001